O tempo da Quaresma é um tempo de graças especiais. O seu objetivo é a renovação da nossa vida espiritual, para nos aproximar do pensamento de Nosso Senhor Jesus Cristo, para adquirir os Seus sentimentos, especialmente o Seu amor ardente por Deus e a salvação das almas, e a Sua humildade de coração. A humildade de coração é alcançada também por meio de um arrependimento sincero e contrição pelos nossos próprios pecados. A jornada de renovação espiritual da nossa alma significa também uma batalha espiritual.
Dom Prosper Guéranger deu-nos a seguinte explicação do significado espiritual do tempo da Quaresma: «O Filho de Deus, feito Homem para a nossa salvação e desejando sujeitar-se ao sofrimento do jejum, escolheu o número de Quarenta Dias. A instituição da Quaresma é, assim, apresentada diante de nós com tudo o que pode impressionar a mente com o seu carácter solene e com o seu poder de apaziguar a Deus e purificar as nossas almas. Vamos, portanto, olhar além do pequeno mundo que nos rodeia e ver como todo o universo cristão está, neste exacto momento, a oferecer esta penitência de Quarenta Dias como um sacrifício de propiciação à ofendida Majestade de Deus; e esperemos que, como no caso dos Ninivitas, Ele aceite misericordiosamente a oferta deste ano da nossa expiação e nos perdoe os nossos pecados. A Igreja, na Quarta-feira de Cinzas, chama a Quaresma o combate cristão. Sim, – para que possamos ter aquela novidade de vida que nos fará dignos de cantar, mais uma vez, o nosso Aleluia –, devemos vencer os nossos três inimigos: o diabo, a carne e o mundo. Somos companheiros de combate com o nosso Jesus, pois Ele também se submete à tripla tentação, que Lhe foi sugerida pessoalmente por Satanás. Portanto, devemos ter a nossa armadura e vigiar incessantemente» (Ano Litúrgico, Prefácio. Quaresma).
A Quaresma é o tempo para nos lembrarmos da nossa regeneração para a vida divina da graça que uma vez recebemos no Santo Baptismo. Dom Guéranger explica: «Devemos lembrar-nos de que a festa da Páscoa deve ser o dia do novo nascimento dos nossos catecúmenos; e como, nos primeiros tempos da Igreja, a Quaresma foi a preparação imediata e solene dada aos candidatos ao Baptismo. A sagrada Liturgia da época actual retém muito das instruções que costumava dar aos Catecúmenos; e, ao ouvirmos as suas magníficas Lições do Antigo e do Novo Testamento, por meio das quais completou a sua iniciação, devemos pensar, com gratidão, em como não fomos obrigados a esperar anos antes de sermos feitos Filhos de Deus, mas fomos misericordiosamente admitidos ao Baptismo ainda na nossa infância. Seremos levados a orar por esses novos Catecúmenos, que neste mesmo ano, em países longínquos, estão a receber instruções dos seus zelosos Missionários e aguardam, como os postulantes da Igreja primitiva, aquela grande festa da vitória de Nosso Senhor sobre a Morte, quando devem ser purificados nas águas do Baptismo e receber, por meio deste, contacto com a regeneração» (Ano Litúrgico, Prefácio. Quaresma).
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Cada tempo da Quaresma deve aproximar-nos um pouco mais à conformação interior com os pensamentos e sentimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Os três principais meios no caminho desta renovação espiritual são: a oração (meditação da Paixão de Cristo), a esmola (amor ao próximo, paciência), o jejum (penitência corporal). Ao executar exteriormente estes três actos, devemos ser movidos e sustentados pela virtude do amor e da humildade. Estas duas virtudes deveriam ser para nós um elemento concreto para o exame de consciência todas as noites da Quaresma. Quanto amor e humildade tive, hoje, na minha oração, no meu jejum, em fazer boas obras para com o próximo?
1) A oração e a meditação da Paixão de Cristo devem acender em nós a verdadeira contrição pelos nossos pecados, que foram a única causa dos amargos sofrimentos do Senhor, mas, ao mesmo tempo, esta meditação deve acender em nós o fogo do amor ao Senhor.
2) Sobre o jejum durante a Quaresma, São Francisco de Sales fala-nos assim: «Pensei em falar-vos das condições que tornam o jejum bom e meritório. Entendam que o jejum por si só não é uma virtude. É uma virtude apenas quando acompanhada de condições que a tornam agradável a Deus. Encontramos algumas pessoas que pensam que, para jejuar bem durante a época sagrada da Quaresma, basta abster-se de comer alguns alimentos proibidos. Bem sabemos que não basta jejuar exteriormente se não jejuarmos também interiormente e se não acompanharmos o jejum do corpo com o do espírito. Agora, entre todas as condições exigidas para jejuar bem, seleccionarei três principais… A primeira condição é que devemos jejuar de todo o coração, de boa vontade, de todo o coração, universal e inteiramente. A segunda condição é nunca jejuar por vaidade, mas sempre por humildade. A terceira condição necessária para jejuar bem é olhar para Deus e fazer tudo para agradá-Lo» (Sermão durante a Quaresma de 1622). O jejum do corpo é alimento para a alma. Santo Atanásio ensinou: «Vejam o que o jejum faz: cura doenças, expulsa demónios, remove pensamentos perversos, purifica o coração. Se alguém foi tomado por um espírito impuro, diga-lhe que esta espécie, de acordo com a palavra do Senhor, “não se expulsa senão à força de oração e de jejum” (Mt 17, 21)». São Basílio, o Grande, explicou o significado do jejum com as seguintes palavras: «Há um jejum físico e espiritual. No jejum físico, o corpo abstém-se de comida e bebida. No jejum espiritual, o jejuador abstém-se de más intenções, palavras e acções. Aquele que jejua verdadeiramente abstém-se de raiva, malícia e vingança. Aquele que realmente jejua abstém-se de conversa fiada e suja, retórica vazia, calúnia, julgamentos, lisonja, mentira e todo o tipo de conversa rancorosa. Numa palavra, um verdadeiro jejuador é aquele que se afasta de todo o mal. Por mais que subtraias do corpo, tanto adicionarás à força da alma».
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3) Sobre a esmola e a caridade, diz São João Maria Vianney: «Há um certo tipo de esmola que todos podem fazer. Vês bem que dar esmola não consiste apenas em alimentar os famintos e em dar roupas aos que não têm. Consiste em todos os serviços que alguém presta ao próximo, seja de corpo ou alma, quando o faz com espírito de caridade. Quando temos pouco, muito bem, vamos dar um pouco; e quando não temos nada, vamos emprestar, se pudermos. Se não puderes fornecer aos que estão doentes tudo o que seria bom para eles, bem, então, podes visitá-los, podes dizer-lhes palavras de consolo, podes rezar por eles para que façam bom uso da sua doença. Tudo é bom e precioso aos olhos de Deus quando agimos por motivos de religião e de caridade, porque Jesus Cristo diz-nos que um copo de água não ficaria sem recompensa. Vês, portanto, que, embora possamos ser muito pobres, ainda podemos facilmente dar esmolas. Eu disse-te que, por mais exigente que seja o nosso trabalho, há um certo tipo de oração que podemos fazer continuamente sem, ao mesmo tempo, perturbar o nosso trabalho, e é assim que é feito. É procurar, em tudo o que fazemos, fazer apenas a vontade de Deus. Diz-me, é tão difícil procurar apenas fazer a vontade de Deus em todas as nossas acções, por menores que sejam? Com essa oração, tudo se torna meritório para o Céu e, sem essa vontade, tudo está perdido. Ai de mim! Quantas coisas boas, que nos ajudariam tão bem a ganhar o Céu, não são recompensadas simplesmente por não cumprirmos os nossos deveres normais com a intenção correcta!».
A virtude da caridade tem de ser o comandante, o general do exército, em todos os nossos actos exteriores e, especialmente, durante a Quaresma. São Francisco de Sales dá-nos essa explicação, dizendo: «O amor divino é o general das virtudes. Só ele pode ganhar o céu e vencer o inferno. Ele conquista pessoalmente o inimigo e, ao mesmo tempo, comanda as demais virtudes a actuarem em todo o campo de batalha. Muitas virtudes agem mesmo sem as ordens explícitas de caridade. Essas também afirmam a caridade como suas. São Paulo escreve: “A caridade tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13, 7). Embora a caridade faça tudo isso, distribuímos o elogio a muitas virtudes. A Escritura diz que somos salvos pela fé, ou pela esmola, ou pela oração, ou pela humildade, ou pela esperança ou pela castidade. Certamente, essas virtudes salvam-nos, mas apenas porque estão unidas à caridade. Só a caridade dá a cada virtude a sua santidade. “A caridade tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13, 7). São Paulo escreve isso porque a caridade anima cada virtude a realizar as suas acções únicas. Algumas pessoas amam excessivamente uma virtude e deixam a caridade de lado. Tertuliano, por exemplo, amava tanto a castidade que violou a caridade. Deixou a Igreja Católica para praticar a castidade de acordo com as suas próprias ideias. Alguns amavam tanto a pobreza que se tornaram hereges. Muitos entusiastas exaltam a oração e deixam a caridade para trás! Alguns hereges exaltam o amor pelos pobres e deixam de lado o amor a Deus, dizendo que o homem só é salvo pela esmola. Isso viola o ensinamento de São Paulo. “Ainda que eu distribua todos os meus bens, se não tiver amor, de nada me vale” (1 Cor 13, 3). “Deus erga diante de mim a sua bandeira de amor”, diz o livro Cântico dos Cânticos (Ct 2, 4). O amor é o estandarte no exército de Deus, a única bandeira sob a qual lutamos pelo nosso Salvador. Que todas as virtudes obedeçam à caridade. Amemos cada virtude apenas porque agrada a Deus. Desta forma, o amor divino dará vida a todas as virtudes» (Tratado sobre o amor de Deus, 11, 4; 11, 14).
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Poderíamos propor os seguintes meios práticos para viver com mais benefícios espirituais este tempo de Quaresma.
Quanto à oração: rezar, pelo menos todas as sextas-feiras, a Via-Sacra. Poderíamos participar num serviço comum numa igreja ou capela. Seria bom percorrer a Via-Sacra, talvez também fora, onde é possível. Poderíamos rezar, uma vez por semana, a Via-Sacra, adicionalmente em família, com toda a família em casa. Poderíamos rezar, individualmente, todos os dias, os mistérios dolorosos do Rosário. Às sextas-feiras, às três horas da tarde, na hora da morte de Nosso Senhor, poderíamos fazer uma breve reflexão sobre a santa Morte do Senhor, com uma oração, agradecendo ao Senhor pela Sua morte redentora e confiando-Lhe a nossa própria morte, a de todos os nossos caros e a de todos os pecadores impenitentes que estão a morrer neste momento. Poderíamos recitar a seguinte oração: «Senhor, por mim e por outros como eu, levastes, uma vez, a cruz vergonhosa, os cravos, a lança. Uma coroa de espinhos perfurou a Vossa fronte sagrada, que suor de sangue escorria de cada membro. Esse então era, é, o Vosso amor por mim. Esse é, e continuará a ser, o meu amor por Vós».
Quanto ao jejum: Os nossos irmãos e irmãs das Igrejas Orientais dão-nos um exemplo de jejum concreto durante todos os 40 dias da Quaresma. Abstêm-se totalmente de todos os produtos de origem animal, pois observam a tradição do jejum que era observada desde os primeiros séculos e era comum a todos os cristãos, e também na Igreja Romana até ao início do século XX. Poderíamos, por exemplo, abster-nos de carne e alimentos caros durante toda a Quaresma. E o que economizamos em dinheiro, por causa dessa abstinência, poderíamos dar aos pobres. Às sextas-feiras, podíamos observar um jejum estrito, ou seja, uma refeição completa e dois lanches leves. Alguém poderia fazer alguma outra penitência corporal, como ajoelhar-se ou usar o cilício. Uma saudável obra de penitência seria também abster-se de ver televisão e restringir ao mínimo o uso da Internet durante a Quaresma.
Quanto a dar esmolas e fazer obras de caridade: Poderíamos visitar, metodicamente, alguns pobres, solitários e enfermos. Passar algum tempo ao lado do leito dos enfermos para consolá-los, rezar com eles e por eles. Visitar pessoas na prisão, se tal for permitido e possível.
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O Papa Leão Magno deixou-nos as seguintes admoestações inspiradoras do tempo da Quaresma: «A mente de todos os homens deve ser movida, com maior zelo, pelo progresso espiritual e animada por maior confiança quando o retorno do dia em que fomos redimidos nos convida a todos os deveres da piedade: para que possamos conservar o sublime mistério da paixão do Senhor com corpos e corações purificados. Esses grandes mistérios realmente exigem de nós tal devoção e reverência incansável que devemos permanecer à vista de Deus assim como devemos ser encontrados na própria festa da Páscoa. Mas porque poucos têm esta constância e porque enquanto a observância mais estrita é relaxada em consideração à fragilidade da carne, e enquanto os interesses de alguém se estendem por todas as várias acções desta vida, até mesmo os corações piedosos devem obter algumas manchas do pó do mundo, a Providência Divina cuidou com grande beneficência para que a disciplina dos quarenta dias nos curasse e restaurasse a pureza das nossas mentes, durante a qual as faltas de outros tempos poderiam ser redimidas por actos piedosos e removidas por jejum casto» (Sermão 42).
Entremos neste tempo sagrado com fé, confiança, com uma alma que anseia por Deus, dizendo, em analogia com as palavras do Salmo 42, que são ditas no início de cada Santa Missa: “Entrarei no tempo sagrado da Quaresma de Deus, do Deus que é a alegria da minha vida” e acrescentando estas palavras do Salmo 103: «Bendiz, ó minha alma, o Senhor, e todo o meu ser louve o seu nome santo. Bendiz, ó minha alma, o Senhor, e não esqueças nenhum dos seus benefícios. É Ele quem perdoa as tuas culpas e cura todas as tuas enfermidades. É Ele quem resgata a tua vida do túmulo e te enche de graça e de ternura. É Ele quem cumula de bens a tua existência e te rejuvenesce como a águia» (Sl 103, 2-5).
A todos nos seja concedida uma santa e abençoada Quaresma, vivida na companhia da Bem-aventurada Virgem Maria, nossa Mãe dolorosa, com São José, os nossos santos padroeiros especiais e com os nossos Anjos da Guarda.
† Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Maria Santíssima em Astana
Texto do site diesirae.pt
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