“Nós procuramos o sacerdote porque buscamos a Deus, não porque queremos salvar o planeta”, afirmou o cardeal africano
“Está na hora de a Igreja voltar ao que se espera dela: falar de Deus”, afirmou o cardeal Robert Sarah, prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, durante entrevista ao jornal francês Le Figaro.
Para o cardeal africano, “nós procuramos o sacerdote porque buscamos a Deus, não porque queremos salvar o planeta”: ele questiona certas visões em voga sobre a Igreja como se fosse uma ONG cheia de atribuições terrenas que lhe tiram o caráter eminentemente espiritual.
Sarah acaba de lançar o livro “Catecismo da Vida Espiritual”, em maio deste ano. Trata-se de um guia para quem deseja aprofundar sua vida espiritual a partir de uma perspectiva prática, não acadêmica. É por isso que o livro se estrutura em torno dos sacramentos:
“Infelizmente, os sacramentos foram transformados em cerimônias puramente externas. Mas eles são, na verdade, os meios sensíveis pelos quais Deus nos toca, nos cura, nos nutre, nos perdoa e nos conforta. Acredito que, também na Igreja, muitos desconhecem a realidade interior, espiritual e mística dos sacramentos. Só olhamos para os ritos sociais, quando no sinal sacramental se revela o mistério; o próprio Deus se doa”.
O purpurado relatou, na entrevista, que escreveu seu novo livro durante o confinamento imposto pela covid-19:
“Esta crise revelou a incrível sede espiritual dos corações. As pessoas anseiam por silêncio, por profundidade, por uma vida com Deus”.
Para ele, a pandemia pode ter servido como um chamamento a prestarmos mais atenção ao espírito:
“Cuidávamos da vida dos corpos, mas deixamos morrer as almas. A vida espiritual é, no entanto, o que há de mais íntimo em nós, o que temos de mais precioso”.
Ele observou, a propósito, que a palavra “oração” foi um dos termos mais pesquisados no Google durante a pandemia, uma provação que “revelou que a superficialidade e a negação da vida interior são as doenças que causam sofrimento e angústia entre os nossos contemporâneos”.
Diante disso, o cardeal afirma:
“Está na hora de a Igreja voltar ao que se espera dela: falar de Deus, da alma, do além, da morte e, sobretudo, da vida eterna (…) A Igreja existe para que haja santos. O resto é secundário (…) A santidade não está reservada a uma pequena elite. Ela é para todos. Ser santo é deixar-se amar por Deus, é seguir a Cristo”.
A reportagem perguntou ao cardeal Sarah se os padres estão falando o suficiente sobre a vida espiritual. Ele respondeu:
“Às vezes, eles são tentados a se tornarem interessantes aos olhos do mundo falando sobre política ou ecologia. Mas acho que assim não interessam a ninguém. Nós procuramos o sacerdote porque buscamos a Deus, não porque queremos salvar o planeta”.
Sobre este mesmo aspecto, Sarah recordou que o Papa Francisco também afirmou que a Igreja não é uma ONG, e que, “se a Igreja deixar de buscar a Deus através da oração, ela corre o risco de traí-lo”.
Cardeal Sarah: “O Vaticano II deve ser lido à luz da Tradição”
O ex-Prefeito de Liturgia, Cardeal Robert Sarah, fala para La Nef sobre seu novo livro, Catecismo da Vida Espiritual, e sobre a crise pela qual a Igreja está passando.
“Queria lembrar aos cristãos os fundamentos da vida com Deus para os quais são chamados”, explica Sarah ao La Nef sobre o último livro que publicou, Catecismo da Vida Espiritual. “Sem essa amizade com Deus que nos dá graça, essa intimidade da alma com seu Criador no amor, corremos o risco de nos tornarmos secos e incorpóreos ou macios e mornos.”
O ex-prefeito quer, assim, cobrir uma enorme lacuna na vida de muitos católicos nomeados: formação, conhecimento daquilo em que acreditam. “Quem sabe hoje o que é o estado de graça? Graça santificante?”, ele se pergunta. Penso que é necessário que os sacerdotes não tenham medo de ensinar a vida espiritual nas homilias e no catecismo. Afinal, não é esta a única coisa em que eles são insubstituíveis? Podemos encontrar leigos competentes para falar de política ou ecologia, mas quem guiará as ovelhas para o céu senão os pastores do rebanho?
A fé está afundando no Ocidente, e o cardeal encontra na atitude de muitos prelados durante a pandemia um reflexo dessa mornidão que está dizimando o rebanho. “Alguns padres foram admiráveis, visitando os doentes, ajudando os moribundos, levando a comunhão e pregando em todos os sentidos”, lembra Sua Eminência. “Não podemos, nunca podemos! – impedir que um moribundo receba assistência de um sacerdote. Cabe às autoridades políticas tomar as medidas necessárias para evitar a propagação de epidemias. Mas isso não pode ser feito à custa da salvação das almas. Qual é a utilidade de salvar corpos se você perder sua alma?
Essa atitude foi consequência de uma mornidão que, diz ele, “é a raiz mais profunda da apostasia em que vivemos. Quando vivemos como se Deus não existisse na prática, acabamos não acreditando nele. É por isso que “quanto mais o mundo é hostil a Deus, mais os cristãos devem cuidar de sua vida espiritual. É a única resistência possível ao ateísmo líquido que nos cerca e nos sufoca. Um cristão devoto é um verdadeiro resistente à cultura da morte que permeia a sociedade”.
Aos que querem ver no Concílio Vaticano II a raiz dos males que afligem a Igreja, Sarah lembra que “a Igreja não se contradiz. Consequentemente, estão errados aqueles que fazem do Concílio Vaticano II um ponto de ruptura, seja para se alegrar ou para lamentar. Eles consideram a Igreja como uma sociedade sujeita aos ventos de partidos e opiniões. Tudo isso é apenas a superfície das coisas.”
Por isso só pode haver uma leitura adequada do Concílio, em continuidade com tudo o que sempre foi ensinado. O Concílio deve ser lido à luz de todos os ensinamentos tradicionais da Igreja. Só traz à luz, sob uma nova luz, o que a Igreja sempre acreditou e ensinou para o crescimento da vida de graça em nossas almas”.
“Estamos diante de um grande e decisivo desafio”, conclui Sarah. “Somos capazes de oferecer a salvação da alma a todas essas populações que a ignoram? Agradeço a Deus que os missionários franceses tenham vindo a mim, à África, para me oferecer este benefício. Por sua vez, convido todos os cristãos a se tornarem missionários. As almas estão morrendo de sede, não podemos guardar os tesouros da vida espiritual”.
Fontes: Aleteia e Infovaticana