Em vista da controvérsia sobre o motu proprio Traditionis custodes, o cardeal alemão Walter Brandmüller pediu a reconciliação entre os adeptos da missa latina tradicional e os partidários “progressistas” da nova forma que querem tomar medidas contra ela. Para Brandmüller, há uma compreensão errada do desenvolvimento da liturgia em ambos os lados da disputa.
O cardeal Brandmüller é, junto com os cardeais Carlo Caffarra, Raymond Burke e Joachim Meisner, signatário das dubia, as dúvidas apresentadas em 2016 ao papa Francisco pedindo esclarecimento de pontos da encíclica Amoris laetitia, especialmente sobre se a encíclica autorizava a admissão à Eucaristia de pessoas divorciadas vivendo em nova união. O papa nunca respondeu.
Na última edição do semanário católico alemão Die Tagespost, Brandmüller, presidente do Comitê Pontifício para as Ciências Históricas de 1998 a 2009, alerta que essa disputa interna da igreja está enfraquecendo a Igreja, quando ela enfrenta novos ataques de fora.
“A própria fé está em jogo com a liturgia”, disse o cardeal, que pede que se evite polêmica sobre o assunto e apela à unidade.
A missa latina tradicional, que se celebra há séculos, é também conhecida como missa tridentina, por ter sido promulgada pelo Concílio de Trento, no século XVI. Alguns de seus adeptos gostam de chamá-la de “missa de sempre”. É também chamada de missa Antiga, Vetus Ordo, em latim, por oposição à missa nova, Novus Ordo, em latim, introduzida nos anos 1970 depois do Concílio Vaticano II.
O papa Francisco restringiu severamente a celebração da missa tradicional com o motu proprio Traditiones custodes e, diz Brandmüller, uma feroz controvérsia surgiu na Igreja em torno disso.
O cardeal observa a disputa entre os dois campos que se dá em publicações e na internet e diz que se pode-se ver “o quanto não se trata apenas de estética, nostalgia etc., mas vai à substância da fé”.
O cardeal parafraseia um antigo hino cristão: “O inimigo, uma sociedade ateísta cada vez mais militante, queima as muralhas, e a discórdia na cidade abre os portões para ele!”
Brandmüller escreve que as disputas sobre o tema “não só fizeram com que se formassem blocos”, “mas também provocaram rupturas no chamado meio tradicionalista”. Por isso, é necessário recordar às partes em conflito que “o mistério eucarístico representa verdadeiramente o ‘lugar santíssimo’ da Igreja” e que esse mistério central não deve se tornar um “pomo de discórdia”.
O cardeal escreve: “Como é deprimente ver como essa discórdia dentro da igreja deve provocar um efeito sobre o ‘mundo’. As palavras de Tertuliano, no segundo século ‘Veja como eles se amam’, podem zombar dos cristãos hoje. Que a fumaça do interior a disputa na igreja seja expulsa por uma poderosa rajada de vento do Espírito Santo.”
Em última análise, a questão decisiva para Brandmüller não é em que forma ou rito a santa missa é celebrada, mas com que “consciência, cuidado, devoção e dignidade o santo sacrifício é celebrado”. Assim, é “absurdo” insistir em uma forma específica.
“Por exemplo, não se pode demonizar qualquer desenvolvimento litúrgico em nome de uma ‘missa de todos os tempos’ que nunca existiu”, explica o cardeal. Sempre houve desenvolvimentos na liturgia, diz, e o Missale Romanum, usado até 1970, não “caiu do céu como o Alcorão”.
“Não nos esqueçamos de uma coisa: Nem Pedro e Paulo, nem Tito e Timóteo começaram a celebração da Santa Missa com ‘Introibo ad altare Dei’”, escreve o cardeal citando as primeiras palavras que sacerdote diz na missa latina tradicional.
“Provavelmente não fizeram a consagração como a do missal de Pio V nem a do missal de Paulo VI”, continua o cardeal. “As palavras exatas da consagração não foram transmitidas de forma idêntica nos três Evangelhos sinópticos, portanto, não sabemos de que forma o próprio Senhor as pronunciou. Mas sabemos o que ele disse”.
O missal romano anterior à reforma do Concílio Vaticano II “é o resultado da tradição da Igreja guiada pelo Espírito Santo”, diz Brandmüller.
Para o cardeal, qualquer desenvolvimento posterior, no entanto, requer tempo e silêncio. “Interferência violenta neste processo”, diz, é como “cirurgia cardíaca aberta com todos os seus perigos”.
Fonte: ACI Digital