A brutal perseguição contra os católicos promovida pelo governo mexicano é um assunto que a história e a mídia deixaram de lado. Assista o filme no final da matéria.
No dia 21 de junho de 1929 terminou oficialmente a Guerra Cristera no México, com a assinatura dos acordos entre o arcebispo mexicano Leopoldo Ruiz y Flóres, delegado apostólico do papa Pio XI, e o então presidente do país, Emilio Portes Gil.
A Cristiada ou Guerra Cristera do México é uma história real, mas tão pouco divulgada que, mesmo hoje em dia, muitos católicos, inclusive mexicanos, quase nada sabem a seu respeito.
Trata-se de um conflito armado que começou em 1926 e durou três anos, como reação dos fiéis católicos contra as violentas medidas antirreligiosas impostas pelo então presidente mexicano, Plutarco Elías Calles, para erradicar a Igreja no México.
O país tem uma longa história de perseguição religiosa contra a Igreja, apesar do fato de que a maioria dos mexicanos é católica e apesar das muitas acusações de ativistas laicos contra a evangelização dos povos autóctones após a chegada dos colonizadores espanhóis.
A perseguição religiosa no México teve um dos seus capítulos mais sangrentos logo após a morte dos padres Miguel Hidalgo e José María Morelos, que participaram da Guerra da Independência do país (1820-1821). Ambos os sacerdotes, vale recordar, foram excomungados por causa do seu papel na insurgência, bem como todo o exército revolucionário.
Na década de 1870 houve uma grave perseguição religiosa, semelhante à Guerra dos Cristeros que aconteceria mais de 50 anos depois. Nessa época, os católicos que resistiam às políticas repressivas do presidente Sebastián Lerdo de Tejada (1872-1876) foram chamados de “religioneros” (1873-1876).
Mais perseguição anticatólica ocorreu durante a Revolução Mexicana (1910-1917), com a Constituição de 1917 incluindo fortes medidas anticlericais nos artigos 3 e 130, que negavam reconhecimento legal à Igreja, exigiam que os sacerdotes se registrassem e tivessem suas atividades limitadas, proibiam a educação religiosa, nacionalizavam as propriedades da Igreja e tornavam ilegal a celebração de cerimônias religiosas fora das igrejas.
O ódio contra a Igreja
De 1926 a 1929, a Guerra dos Cristeros foi outra resposta dos mexicanos aos ataques diretos contra a fé perpetrados pelo presidente Plutarco Calles. De fato, a aplicação estrita das regras anticlericais da Constituição Mexicana de 1917 ficou conhecida como “Lei Calles”. Esse presidente abraçou uma forma radical de ateísmo e socialismo que o levou a adotar medidas drásticas para nada menos que erradicar o catolicismo do México.
É relevante saber que Plutarco Elías Calles cresceu na pobreza e na privação. Era filho ilegítimo de um pai alcoólatra, que não tinha meios para cuidar da família e que, mais tarde, a abandonou. Sua mãe, María de Jesús Campuzano, morreu quando Plutarco tinha apenas 2 anos de idade. Quem se encarregou dele foi um tio, Juan Bautista Calles, de quem recebeu o sobrenome. Ateu fervoroso, Juan Bautista educou o sobrinho num ódio fanático à Igreja Católica.
Plutarco Elías Calles quis erradicar o catolicismo e criar uma nova forma de vida no país, inspirado pelos muitos livros e artigos que lia, escritos por autores que abraçavam a utopia socialista. Esta visão também o levou a manter os Estados Unidos e os governos europeus à margem dos interesses petrolíferos do México.
No começo, os fiéis e a hierarquia católica adotaram posturas pacíficas em sua resistência à Lei Calles. Nesse contexto, foi fundada em 1925 a Liga Nacional de Defesa da Liberdade Religiosa (LNDLR). Vários outros grupos de católicos organizaram protestos pacíficos em todo o México. Um abaixo-assinado com mais de um milhão de assinaturas foi apresentado ao Congresso para pedir a abolição da Lei Calles. Todas as iniciativas foram ignoradas. Os grupos de resistência impulsionaram então um boicote econômico de sucesso. Ao ver os efeitos da organização dos católicos, o governo resolveu endurecer seus ataques contra a Igreja mediante prisões, intimidações e até execuções.
Como a Igreja não conseguiu chegar a nenhum acordo com o regime Calles, os bispos mexicanos pediram autorização do Papa Pio XI para suspender o culto católico em 31 de julho de 1926, véspera da entrada em vigor da lei, a fim de evitar enfrentamentos e derramamento de sangue. O Papa escreveu uma carta encíclica ao clero e aos fiéis do México para encorajá-los durante a perseguição.
A Cristiada ou Guerra Cristera do México
Diante da repressão violenta do governo, tornou-se inevitável a resistência armada por parte dos católicos. O levante começou em 1927, em Los Altos, Jalisco, e se espalhou por todo o México até se transformar numa verdadeira guerra civil.
Nos dias 1º e 2 de janeiro de 1927, no norte do Estado de Jalisco, os grupos “cristeros” conseguiram sua primeira vitória contra as tropas do governo, o que estimulou o movimento em Jalisco e nos Estados vizinhos. No entanto, foi só depois que a Liga Católica recrutou o general Enrique Gorostieta que os diversos levantamentos isolados ganharam unidade e deram forma a um “exército cristero”.
A essa altura, boa parte do México já estava envolvida na “Guerra Cristera”. A exceção eram os Estados em que não houve levantamento porque não havia o mesmo nível de perseguição.
Estima-se que 25 mil cristeros perderam a vida nos três anos de guerra, assim como 65 mil soldados do governo.
Entre as vítimas, a Igreja reconhece um número considerável de mártires, como o Beato Anacleto González Flores, líder da resistência pacífica, morto em 1º de abril de 1927, o Beato Miguel Augustín Pro, sacerdote jesuíta assassinado em 23 de novembro de 1927, e São José Luis Sánchez del Río, um menino cristero de apenas 14 anos de idade, martirizado em 10 de fevereiro de 1928.
A trégua traída pelo governo
O embaixador dos Estados Unidos no México, Dwight Morrow, ajudou a negociar uma trégua entre o governo mexicano e os cristeros, mas a trégua não acabou com a perseguição do regime contra os líderes cristeros nem contra a Igreja em geral. Em uma das suas reuniões com o presidente Calles, o embaixador ofereceu apoio militar em troca de petróleo. No entanto, ele acabou precisando das habilidades diplomáticas do clero e dos leigos católicos para negociar o acordo de paz e dar fim à Cristiada.
Na prática, porém, a trégua assinada pelo governo foi uma verdadeira armadilha contra os cristeros. O regime de Calles rapidamente quebrou as suas promessas e, já nos três primeiros meses depois do suposto acordo, executou mais de 500 líderes católicos e cerca de 5 mil cristeros. Dito de outra forma: foram assassinados mais líderes cristeros durante esse breve período do que ao longo de todos os três anos de guerra.
Quanto ao clero, uma investigação realizada pelo pe. Brian Van Hove apontou que cerca de 40 sacerdotes foram executados no México entre 1926 e 1934, mas, mesmo em 1935, seis anos após a “trégua”, cerca de 2.500 sacerdotes ainda se viam obrigados a esconder-se e 6 bispos estavam exilados. Dos 3 mil sacerdotes que havia no México em 1926, restavam somente 334 em 1934.
As leis anticlericais continuaram a fazer parte da Constituição Mexicana mesmo depois do governo Calles. Na década de 1940, o católico Manuel Ávila Camacho chegou à presidência e deixou de aplicá-las, mas a relação entre o Estado e a Igreja só melhorou a partir do final do século, com o restabelecimento das relações diplomáticas entre o México e o Vaticano.
O legado da Guerra Cristera
O jurista da UNAM opina que a Guerra Cristera deixou “vários ensinamentos” para a Igreja e para o México de hoje.
Com a Liga Defensora da Liberdade Religiosa, surgiu uma “nova perspectiva, a de considerar a liberdade religiosa como um direito fundamental dos fiéis, que deve ser respeitado pelo Estado e do qual deriva o reconhecimento dos direitos da Igreja”, indicou.
Segundo o historiador, outra consequência foi que o governo mexicano “percebeu que aquela lei não era aplicável. Em consequência, na reforma constitucional de 1992, foi estabelecido um regime moderno que respeita os direitos dos crentes e as relações institucionais entre o Estado e a Igreja”.
Adame Goddard enfatizou que a Guerra Cristera deixou também um ensinamento para a Igreja, que “antes de tudo, deve cuidar da formação espiritual dos leigos e fazê-los ver a importância de sua participação na vida pública”, perceber “o grande bem que foi a participação daqueles cristeros, muitos deles já beatificados”. E que os leigos “tenham atualmente a mesma força que tiveram os cristeros”, afirmou.
Uma mentalidade laicista que persiste no México
No entanto, para o jurista mexicano, apesar das mudanças legais, a Igreja no México “continua com uma voz diminuída no debate público”.
“Houve uma insistência para que os bispos, por exemplo, não opinem sobre os assuntos públicos. Quando eles têm opiniões sobre o aborto ou sobre o casamento, são denunciados, dizem que eles estão se metendo em assuntos políticos que não lhes dizem respeito”, disse Goddard.
Nesse sentido, o historiador lamentou que no país ainda permaneça essa mentalidade laicista “que não respeita o direito de liberdade religiosa dos crentes e o direito de expressão dos fiéis e dos bispos”.
“Ainda acham que a Igreja tem o interesse de se apoderar do poder político para governar, o que é totalmente anacrônico”, afirmou.
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Cristiada, o filme
Em 2012, foi lançado o filme “Cristiada”, com Andy García, Eva Longoria, Eduardo Verástegui e o legendário Peter O’Toole no elenco. O filme procura representar um dos períodos mais dolorosos da história recente da Igreja e do México.
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A partir de artigo publicado em 2013 por Aleteia Vaticano, com informações do livro “Para maior glória: a verdadeira história da Cristiada” (Ignatius, 2012). O livro foi escrito por Ruben Quezada, especialista em estudos sobre a Guerra dos Cristeros e diretor das organizações Catholic Resource Center e St. Joseph Communications.
Fonte: Aleteia