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Catequese

A altíssima virtude da Humildade e da Pobreza Cristã

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A humildade dá uma noção verdadeira de Deus, dos outros e de nós mesmos, apreciando cada um pelo seu justo valor e dando-lhe de todo modo o que lhe é devido. Mas essa virtude tão bela, tão oportuna, tão razoável, encontra grandes dificuldades na nossa natureza viciada e pede um poderoso recurso de graças. Ela é qualquer coisa de tão grande, de tão heroico, que os próprios apóstolos tiveram grande dificuldade em aprendê-la. Depois de seguirem três anos inteiros o Filho de Deus e de com ele aprenderem, depois de terem sob os olhos seus exemplos de profundo abaixamento, eles ainda disputavam entre si para saber a quem era que cabia o primeiro lugar entre eles. A humildade, diz também São Bernardo, “É uma virtude pela qual a gente se conhece e se despreza”. Mas por que então encontramos tão poucas almas humildes? É que poucas se conhecem; e não se conhecem porque não têm a coragem de fazer essa introspecção de si mesmas que as convenceria da sua miséria ou do seu nada. Quando a gente estuda a fundo, se quiser ser sincero chega a fazer uma tríplice verificação: nada sou! Nada posso! Nada valho! É tudo! É duro! É verdade! Há um fato que domina toda a vida espiritual: sem a graça nada podemos fazer. Ora, Deus afirmou que só dá a sua graça aos humildes e resiste aos soberbos; donde mister se faz concluir que a humildade nos é absolutamente indispensável. Nas nossas relações com Deus, não passamos de pobres mendigos. A nossa dependência d’Ele é absoluta. Se à vossa porta se apresentasse um mendigo orgulhoso, pedindo esmola com ar soberbo, que faríeis? Fechar-lhes-íeis assim a vossa porta como o vosso coração. Deus age do mesmo modo. Quando vê vir a ele uma alma enroupada numa dignidade que não é a sua, ele volta a cabeça, não escuta, deixa essa alma orgulhosa, à sua impotência… E ela cai. A humildade é a raiz de todas as virtudes.

Sem ela: nenhuma fé: é preciso ser humilde para se curvar sem a menor dúvida, perante a autoridade de Deus que, sempre verídica, impõe para crer coisas que excedem o alcance da nossa inteligência. Nenhuma esperança: inspirando-se no orgulho, a gente pensa facilmente não precisar de nada, nem de ninguém; é preciso crer no seu próprio nada, na sua total impotência, para se voltar para Deus e tudo esperar das suas promessas e da sua bondade. Nenhuma caridade: num coração soberbo só achamos desdém, egoísmo, empáfia, insolência, violência, arrogância e vaidade; o amor de Deus e do próximo é excluído dele. Nenhuma pureza: diz a escritura: “ninguém pode permanecer puro sem um dom especial de Deus” ora, se Deus resiste aos soberbos, como poderá a alma orgulhosa, deixada às suas próprias forças, vencer as tentações? O vício impuro é a punição habitual do orgulho. Nenhum zelo: para querer fazer o bem e aplicar-se a isso, é preciso ainda a graça, e Deus só a concederá aquele que se humilha. Os grandes santos foram todos humildes. O lugar deles na história está em relação com a sua humildade. Basta ler a vida de São Vicente de Paulo para se convencer disto. Quando uma alma está bem vazia de si mesma, Deus a enche com seu poder. É esta a explicação da força dos santos. Eles consentiram em não ser nada, e por isso aquele que é tudo veio a eles, operou maravilhas. Deus só se quer servir de instrumentos bem humildes, bem maleáveis, pequenos e fracos, a fim de que a sua glória, a d’Ele, resplandeça. Vede Santa Genoveva ou Santa Joana D’Arc; vede, mais perto e vós, Santa Teresa do Menino Jesus! Vede Santa Bernadete, a venerável Catarina Labouré e tantas outras que a piedade venera! Que exemplos frisantes de pequenas almas bem humildes, bem simples, com as quais Deus fez grandes coisas! No ofício da Santíssima Virgem, a liturgia põe nos lábios de Maria estas graciosas palavras: “Porque eu era pequenina, agradei ao Altíssimo”. Se quiserdes agradar a Deus, sede humilde. Alimentai em vós o desejo ardente, a paixão de vos tornardes humilde!

Não vos contenteis com a convicção ou mesmo com a aceitação alegre da vossa própria baixeza! Aproveitai todas as ocasiões para fazer uma sincera confissão dela. Dizei muitas vezes, como Maria: “Eis aqui a escrava do Senhor”, e fazei tudo o que ele vos pedir! Que grandeza, apesar da vossa pequenez, o serdes escrava de um Deus! Orai! Orai! Só Deus pode ajudar-vos a adquirir essa virtude que tanto repugna à nossa natureza. Ponde-vos ao pé de Deus nosso Senhor, como uma criança pequenina, ou mesmo como um mendigo que pede, que ama e que espera. Este não ignora que nada lhe é devido, mas sabe que seu pai lá está e lhe dará tudo de que ele precisar. Antes de tudo, deveis convencer-vos bem de que o orgulho perde as almas e a humildade as salva. De vez em quando é preciso meditar neste assunto tão grave. Nós não decidimos eficazmente a nossa vontade senão depois de termos conseguido dar-nos convicções fortes. Nunca faleis de vós, nem bem, nem mal. Bem, é fatuidade; mal, às vezes é um artifício para atrair elogios. Não ligueis importância aos juízos humanos; nada é mais falso, mais vazio, mais vão, mais mutável.

A multidão gritava:” Hosana!” no dia de ramos, e cinco dias depois o: ” Crucificai-o! ” é que se fazia ouvir. Se vos suceder uma humilhação merecida, humilhai-vos sem pejo. É sempre belo e grande reconhecer os próprios erros. Se ela for imerecida, pensai em Jesus que se calava quando seus inimigos o acusavam falsamente. Pela manhã, refleti nas ocasiões que podereis praticar a humildade, e não passeis um só dia sem produzir ao menos um ato dela, interior ou exterior, mormente exterior. Aí, como em tudo, só pela multiplicação dos atos é que chegareis a um resultado. Tomai como virtude favorita a humildade. Se preciso, reduzi a ela as vossas outras resoluções, e pedi-a a Deus até importuná-lo. No vosso vestir, sede simples e modesta. Lícito vos é andar bem preparada, com certa elegância mesmo, se o quiserdes, isso é da vossa idade. Mas não ostenteis enfeites extravagantes, e nunca mereçais esta maliciosa apóstrofe atraída um dia por uma mulher “coquete”: “Oh! Habitante de um grande vestido, como sois pequena na realidade!”

Nestes dias de tanto orgulho satânico a perder as almas, sejamos humildes em espírito de reparação pelo orgulho dos homens. Jesus crucificado seja a nossa grande lição e nosso remédio eficaz na cura de nosso orgulho. “E se tal remédio não cura nosso orgulho, diz sto. Agostinho, não sei o que o poderá curar”. Lutemos contra o nosso terrível amor próprio. Empreguemos a arma da humildade e sairemos vencedores. Lembremo-nos de que o reino do céu é dos pequeninos e dos humildes. A raiz tira da terra a seiva da vida que faz crescer as grandes árvores. Seja amargo ou insípido o que ela suga, pouco importa. É a vida que há de receber e dar.  A raiz é sempre desconhecida, calcada aos pés. Trabalha em segredo para uma glória que nunca lhe virá. Recebe para dar. Quem é que louva uma raiz quando colheu de uma  árvore algum fruto belo e saboroso? Ai! Nunca recebe uma gota de orvalho, um raio de sol. Não goza a frescura das brisas. Em torno dela tudo é frio e seco, isolamento e silêncio. Se mão benfazeja derrama sobre ela um pouco d’agua fresca, só a recebe muito suja. Alimenta-se de pura lama. O que sustenta a raiz e a torna vigorosa, cheia de seiva? O esterco! Se uma pobre raiz julga ter o direito de sair um pouco debaixo da terra, e vir respirar o ar de fora, logo a foice a corta sem dó. Ela não pode absolutamente aparecer. A árvore se carrega de frutos. E os bons frutos nunca ela os há de ver sequer. Os maus, os frutos podres, estes só, lhe serão atirados como esterco. E se a raiz quisesse ver a sua obra de vida, o que produz a seiva que ela fornece, deixaria de ser raiz, ficaria bem seca e nada mais produziria. Quanto mais oculto e profundo é o trabalho de uma raiz tanto mais fecundo. E quando esta raiz é uma alma! Ei-la quanto mais na aparência aniquilada, tanto mais produz para a glória de Deus e a salvação dos outros. “Se quereis viver unido a Nosso Senhor, antes de mais nada, é preciso ser raiz, isto é, ser humilde, oculto com Jesus em Deus para ser fonte de vida em Jesus.”

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Deus Pai diz a Santa Catarina de Sena que a humildade, fruto do conhecimento de si mesmo, é a raiz de todas as virtudes. Ora, se falta a raiz, como haver virtude? A humildade, ou pobreza cristã, é uma virtude altíssima. Ela é uma via perfeita de imitação do Cristo, que foi e é pobre. Qualquer resistência a esta verdade implica num falso conceito, ou da pobreza evangélica, ou da pessoa do Cristo. Todo pecado constitui uma conversão às criaturas e à falsa satisfação que elas oferecem, e uma aversão a Deus. No entanto, é comum que a maior parte dos pecados sejam como que uma fuga de Deus. O vício, porém, oposto à pobreza, a soberba, é o único que não foge, mas se opõe a Deus. E é dito ainda que são a estes que Nosso Senhor resiste. Se alguém descuida da pobreza, suas atitudes mancham-se mais facilmente do amor próprio, que enfeia tudo. Pessoas embevecidas com a própria maestria, que se consideram um presente para o mundo, predestinados infalivelmente ao céu e a uma particularidade do prêmio eterno, são um tipo muito comum. E, por vezes, se deixam acompanhar por uma certa encenação de suposta humildade que bem poderíamos chamar de “coitadismo” e que nada mais visa senão provocar admiração nos admiradores da humildade. A coisa, porém, é por demais desafinada… Como escreveu São João da Cruz, qualquer espírito que pretenda caminhar por prazeres e honras, fugindo de imitar a Cristo, não o teria eu por bom. A pobreza, movimento da alma oposto ao da soberba, abraça a Deus e o ama… Para o pobre é suficiente estar com ele e saber que, não obstante a repugnância do pecador, Deus o abraça e o quer. Esta virtude, porém, como já escrevi outras vezes, não consiste em qualquer timidez ou medo, nem qualquer tendência à ofensa de si mesmo; não se trata de inventar coisas, mas de conhecer-se. A pobreza ou humildade é uma objetividade na consideração de si mesmo.

Quando um São Francisco de Assis ou outro santo qualquer falavam da sua pequenez e miséria, isto não era qualquer afirmação gratuita, mas, ao contrário, era fruto de uma clareza particular. Por isto, a grande Santa Teresa d’Avila ensina que “a humildade é a verdade”. Outros santos dizem ainda que uma carruagem cheia de virtudes, mas conduzida pela vaidade, leva ao inferno, enquanto que, uma outra carrega de pecados, mas conduzida pela humildade, leva ao céu. O demônio enraivece-se com Santa Catarina porque, ao humilhá-la, ela voltava-se à misericórdia divina e, ao elevá-la, a sua humildade se rebaixava aos infernos, indo atormentá-lo. Não há santidade sem pobreza e, embora isto seja tão evidente, quase nenhum cuidado há por parte de certos cristãos neste sentido. Não deixa de ser particularmente curioso que, no seguimento de um Deus que se fez homem e, feito homem, tornou-se escravo e, como tal, não teve onde nascer, não teve onde reclinar-se e morreu humilhado numa cruz, abandonado – não deixa de ser curioso e imensamente contraditório que alguns de seus seguidores pretendam trilhar caminho precisamente oposto, de glórias, de elogios, de aclamações. Não temem um dia escutar: “Já recebeste vossa recompensa”? E aqui podemos aprofundar ainda mais na compreensão da pobreza cristã; um Deus a viveu e ensinou; não é qualquer coisa… O amor a Deus, quando perfeito, não o ama por causa do céu, mas por ele mesmo. Já pedira uma santa que, se amasse a Deus por causa do céu, ele a excluísse dele; se, porém, o amasse por medo do inferno, ele a atirasse aí; mas se o amor que a consumia fosse por ele mesmo, que ele, por favor, não lhe escondesse a sua face.

O mesmo diz a nós, a doutora da Igreja Santa Teresa, onde se lê: “Mesmo que não houvesse céu, eu te amaria como te amo; mesmo que não houvesse inferno, eu te temeria como te temo. O que me move a te amar, és tu mesmo”. Vemos, então, que a pobreza é a possibilitadora do verdadeiro amor e isto é grandioso. É ela que permite o que os santos chamam de “pureza de intenção”. Está radiante virtude tem seu máximo expoente no cristo crucificado e na Virgem Santíssima. Portanto, ser pobre, verdadeiramente, é imitá-los, ou seja, não se pode imitá-los sem cultivar a pobreza espiritual. Esta, porém, grande inimiga da timidez, é amiga íntima da magnanimidade. A pobreza rejeita o pequenino e fútil pelo verdadeiro bem. Esta verdade se expressa em várias passagens da sagrada escritura. Portanto, ser pobre é, de certa forma, ser ousado e, desprezar as coisas rasteiras por erguer os olhos ao céu. É rejeitar sentar-se num trono de rei para estar, ao invés, sentado sobre todo o orbe terrestre. Pois bem, tratemos de algumas formas de praticar a pobreza, pois, embora eminentemente interior, ela se reflete na conduta. São Francisco de Assis é exemplo luminoso disto, embora nem todos estejamos obrigados a viver esta virtude naquelas supremas alturas em que ele viveu. São Francisco é prova da potencialidade humana ao infinito. Como há inúmeras formas de se viver esta virtude, há quem enfatize esta ou aquela. Grande erro, porém, é reputá-la a uma atitude meramente exterior. As virtudes cristãs não são coisa que qualquer ator possa praticar. A mera imitação, torna-se um caricato sem graça, ou melhor, de fazer graça.

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