SANTO DO DIA – 01 DE OUTUBRO – SANTA TERESINHA DO MENINO JESUS
Religiosa carmelita descalça e doutora da Igreja (1873-1897)
A “santa do sorriso”, que “se havia oferecido ao Menino Jesus para ser seu brinquedo, uma bolinha de nenhum valor, que pudesse ser jogada ao chão, empurrada com o pé, deixada a um canto”, foi tomada ao pé da letra. E não teríamos jamais sabido quantos sofrimentos se esconderam por trás daquela calma e composta tristeza se ela mesma, por obediência, não tivesse confiado a seus cadernos aquela incomparável ‘História de uma alma’, que desvelou essa extraordinária força interior.
Marie Françoise Thérèse Martin, jovem de transparente beleza, órfã de mãe aos 4 anos, criada em Lisieux, ao lado de um pai afetuoso e bom, aos 15 anos pôde ingressar, graças a um indulto especial, no Carmelo de Lisieux, onde já duas irmãs a haviam precedido e a terceira haveria de segui-las.
Percorreu a grandes passos o caminho rumo à santidade, “lançando a Jesus as flores dos pequenos sacrifícios”, que não eram pequenos, como não foi fácil a ascese sob o signo da “infância espiritual” — ditada não pela tendência toda feminina de fazer uso de diminutivos e de palavras carinhosas, mas por uma autêntica e robusta espiritualidade, em sintonia com a advertência evangélica de “tornar-se pequenos como as crianças”.
Nos nove anos de vida claustral, Teresa deixou uma marca profunda, oferecendo ao mundo cristão a surpreendente imagem de uma jovem freira que, embora relegada à estrita clausura do Carmelo, viveu imersa na vida eclesial. Isso a ponto de, em 1927, dois anos depois da canonização, ser proclamada padroeira das Missões, junto com são Francisco Xavier, e, em 1944, copadroeira da França ao lado da guerreira santa Joana d’Arc.
Pio X não hesitou em defini-la “a maior santa dos tempos modernos”. Em 19 de outubro de 1997, João Paulo II declarou-a Doutora da Igreja, a terceira mulher a receber esta homenagem, depois de Catarina de Sena e Teresa de Ávila.
Teresa de Lisieux queria ser tudo: guerreira, missionária, apóstolo. Depois teve a intuição: o amor! “No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor.”
(Retirado do livro ‘Os Santos e os Beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente’, Paulinas Editora)
Conheça mais sobre Santa Teresinha do Menino Jesus
O que tanto atrai em Santa Teresinha, cuja devoção se tornou universal em pouco tempo? Falecida aos 24 anos, ela continua a nos sorrir e a nos convidar a seguir uma nova via de santificação, a “pequena via”, acessível a todos.
Na tarde de 30 de setembro de 1897, uma cena inesquecível desdobrava-se na enfermaria do Carmelo de Lisieux. Cercada de toda a comunidade ajoelhada em torno de seu leito de dores, Santa Teresinha do Menino Jesus, fitando os olhos no crucifixo, pronunciava suas últimas palavras nesta terra de exílio:
– Oh! eu O amo… Meu Deus… eu… Vos amo!
Subitamente, seus amortecidos olhos de agonizante recuperam vida e fixam-se num ponto abaixo da imagem de Nossa Senhora. Seu rosto retoma a aparência juvenil de quando ela gozava de plena saúde. Parecendo estar em êxtase, ela fecha os olhos e expira. Um misterioso sorriso aflora-lhe aos lábios e aumenta a formosura de sua fisionomia.
“Eu não morro, eu entro na Vida”, havia ela escrito poucos meses antes.
Sua luz brilha no mundo inteiro
Talis vita finis ita. – “Cada um morre como viveu.”
Sua morte, aos 24 anos, foi um reflexo de sua breve existência – uma vida de virtude heroica, de amor a Deus e ao próximo levado a limites extremos, e de sofrimentos suportados com uma radiante alegria e uma santa despretensão.
Quis ela passar inteiramente despercebida neste mundo. E este seu desejo de vida oculta teria sido realizado, se Deus não tivesse outros desígnios a esse respeito.
Por ordem das superioras, a humilde carmelita escreveu seus famosos Manuscritos Autobiográficos – “História de uma alma” – que tanto bem fizeram, fazem e farão ao longo dos séculos, além de várias cartas, poesias e outros documentos registrados pela História. E algumas irmãs de hábito que bem compreenderam sua extraordinária virtude, tomaram nota das conversas tidas com ela nos seus últimos meses de vida.
Graças a isso, a chama acesa por Jesus na alma dessa Santa ilumina hoje o mundo inteiro. E nós podemos, nas linhas abaixo, apreciar alguns “flashes” fulgurantes dessa luz.
Em abril de 1897, quando a doença mortal entrava em sua última fase, sua irmã Paulina (em religião, Madre Inês de Jesus) fez a primeira anotação em seu caderno:
“Quando somos incompreendidas e julgadas desfavoravelmente, de que nos serve defender-nos ou explicar-nos? É muito melhor não dizer nada e deixar que os outros nos julguem como lhes agrada. Não vemos no Evangelho Maria explicando-se quando sua irmã a acusou de ficar aos pés de Jesus sem fazer nada! Não, ela preferiu permanecer em silêncio. Ó abençoado silêncio que dá tanta paz às almas!”
Trechos como este, de conversas íntimas com a Santa, quase nos fazem esquecer que ela está passando por sofrimentos físicos atrozes, incompreensões e, muito mais duro de suportar, uma terrível provação espiritual, “a noite da Fé”.
Descrevendo essa provação nos Manuscritos Autobiográficos, ela afirma:
“Jesus permitiu que uma escuridão negra como boca de lobo varresse minha alma e deixasse o pensamento do Céu, tão doce para mim desde a minha infância, destruir minha paz e torturar-me…” E em conversa com suas irmãs acrescenta: “Minha alma está exilada, o Céu está fechado para mim e do lado da terra tudo é provação também”.
Olhando pela janela da enfermaria, viu um “buraco negro” no jardim e confidenciou à Madre Superiora: “É num buraco como esse que eu me encontro, de corpo e alma. Oh! sim, que trevas! Mas estou em paz dentro delas”.
No dia da partida para a eternidade, pôde ela declarar com singela despretensão: “Oh, eu rezei fervorosamente a Ele, mas estou realmente em agonia sem nenhuma mistura de consolação”.
Apesar de todos os sofrimentos físicos e espirituais, ela iluminava com seu sorriso e aquecia com sua caridade as demais religiosas do convento. Naquela enfermaria não se respirava atmosfera de tristeza. Santa Teresinha não o permitia! Escreve sua irmã Maria: “Quanto à força moral, é sempre a mesma coisa, a alegria em pessoa, fazendo rir todos quantos dela se aproximam. Creio que ela morrerá rindo, de tal forma ela é alegre!”
A Santa usava seu vasto repertório de jogos de palavras, imitações de pessoas, ditos espirituosos a respeito dela mesma e da incapacidade dos médicos – tudo para praticar a caridade fraterna.
Sua alegria nada tinha de inautêntico, de forjado. A Irmã Teresinha detestava o fingimento! No entanto, ela se encontrava num tal extremo de padecimentos que chegou a dizer: “Nunca eu teria acreditado que fosse possível sofrer tanto. Nunca! Nunca! Não posso explicar isto, exceto pelos desejos ardentes que eu tive de salvar almas”. E em outra ocasião: “Que seria de mim se Deus não me desse forças? Não se tem ideia do que é sofrer tanto assim. Se eu não tivesse a Fé, eu teria me dado a morte sem hesitar um só instante…”
Donde lhe vinha, pois, tanta força e alegria? Da total aceitação da vontade de Deus – “o Papai bom Deus”, dizia ela graciosamente.
Santa Teresinha tinha um grande medo: o de desagradar, no mínimo que fosse, seu bem-amado Jesus. Quanto ao resto, nada temia, muito menos a morte. Fazendo alusão ao ensinamento do Evangelho: “a morte vem como um ladrão”, gracejava ela de forma encantadora: “Diz-se no Evangelho que a morte virá como um ladrão. Oh! ele virá roubar-me muito gentilmente. Como eu gostaria de ajudar este ladrão!”
E mais: “Não tenho medo do ladrão. Eu o vejo à distância e tomo muito cuidado para não gritar: ‘Socorro, ladrão!’ Pelo contrário, eu o chamo dizendo: ‘Por aqui, por aqui!’”
Como explicar uma tal serenidade diante da morte iminente, mais ainda, uma tal vontade de que ela se apresse? Muito fácil. Pela confiança inabalável no amor misericordioso de Jesus, e pelo ardente desejo de perder-se nesse Amor o mais cedo possível.
O amor à bondade e à misericórdia
Santa Teresinha foi escolhida por Deus para ensinar um caminho de santificação a ser trilhado pelas almas fracas – a “pequena via”, a via da Confiança por excelência.
Escreveu ela nos Manuscritos: “Sempre desejei ser uma santa (…) O bom Deus não inspira desejos irrealizáveis, eu posso, portanto, aspirar à santidade apesar de minha pequenez. Tornar-me grande, é impossível. Devo, pois, suportar- me tal como sou, com todas as minhas imperfeições, mas quero procurar um meio de ir ao Céu por uma pequena via, bem reta, bem curta (…) Eu quereria encontrar um elevador para subir até Jesus, porque sou pequena demais para escalar a áspera escada da perfeição. (…) Ah! o elevador que me fará subir ao Céu são vossos próprios braços, ó meu Jesus!”
Essa grande Santa manteve intacta sua Inocência batismal, nunca manchou sua alma por um único pecado grave sequer. É por este motivo que ela demonstrava tal confiança na bondade do Divino Salvador?
Nem de longe! Nas últimas frases dos Manuscritos, podemos ler esta confortadora mensagem, a qual não deixa a menor dúvida de que a via da confiança está aberta inteiramente até para os maiores pecadores:
“… mas, sobretudo, imito a conduta de Maria Madalena. Sua admirável, ou melhor, sua amorosa audácia encanta o Coração de Jesus, e seduz o meu. Sim, eu o sinto: mesmo se me pesassem na consciência todos os pecados possíveis de cometer, eu iria, com o coração partido de arrependimento, jogar-me nos braços de Jesus, pois sei quanto Ele ama o filho pródigo que vem Lhe pedir perdão. Não é porque o bom Deus, em sua previdente misericórdia, preservou minha alma do pecado mortal que eu me elevo a Ele pela confiança e pelo amor.”
E já nos últimos dias de sua vida terrena, exclama:
“Oh! como sou feliz por me ver imperfeita e por ter tanta necessidade da misericórdia do bom Deus no momento da morte!”
Deixar-se carregar por Jesus, por Maria Santíssima, no caminho da santidade… Sentir-se feliz por ser fraco e ter necessidade da misericórdia e da bondade de Deus… Eis o caminho curto e seguro indicado por Santa Teresinha – Doutora da Igreja, note-se! – para os católicos de nossos dias, homens e mulheres, de todas as idades e condições sociais.
Ninguém tem pretexto para não desejar a santidade
O preceito do Divino Mestre, “sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”, é dirigido à humanidade inteira. O que para qualquer ser humano é impossível, Ele tornou possível até para os mais débeis, pelos méritos infinitos de sua Paixão e Morte na Cruz. As miríades de Santos do Céu dão testemunho dessa verdade consoladora.
Santa Teresinha, porém, vai mais longe. Além de nos ensinar pela doutrina e pelo exemplo, ela se põe à nossa disposição, como se pode ver nas palavras ditas a suas irmãs de Vocação no dia 17 de julho, menos de três meses antes de subir ao Céu:
“Sobretudo, sinto que minha missão vai começar, minha missão de fazer amar o bom Deus como eu O amo, de comunicar às almas minha “pequena via”. Se o Bom Deus realiza meus desejos, meu Céu se passará sobre a terra até o fim do mundo. Sim, quero passar meu Céu fazendo bem à terra.” “… minha missão de fazer amar o bom Deus como eu O amo”. – Então, que ela cumpra em cada um de nós, leitor, sua sublime lição! Peçamos esta graça com toda confiança.
Com semblante belo e luminoso, e dizendo palavras que soavam como uma melodia de Anjo, Santa Teresinha apareceu diversas vezes para comunicar ao mundo inteiro esta animadora verdade: a santidade está ao alcance de todas as almas, mesmo as mais débeis.
Estamos em 1897. Duas jovens carmelitas conversam no Carmelo de Lisieux. Uma delas, Sor Teresinha do Menino Jesus, aproxima-se do fim de sua vida e do cume da santidade. A outra, que nutre por ela verdadeira admiração, é uma noviça vinda de Paris, Sor Maria da Trindade.
Antes de tudo é preciso crer no Papa
As duas conversam sobre a via espiritual que a Irmã Teresinha ensinava: a “pequena via”. Ante as insistentes perguntas da noviça, a santa e doutora da Igreja afirma com absoluta segurança:
– Se estou te induzindo a erro com minha pequena via de amor, não temas que eu te deixe seguindo-a durante muito tempo. Aparecerei logo para te dizer que tomes outro rumo. Mas se eu não voltar, crê na verdade de minhas palavras: no bom Deus, tão poderoso e misericordioso, nunca se confia demais. D’Ele se obtém tudo quanto se espera.
– Creio nisso tão firmemente que me parece que se o Papa dissesse que estás errada, não acreditaria nele…
Santa Teresinha logo corrige a jovem religiosa, muito fervorosa, mas um tanto estouvada:
– Oh! Antes de tudo, é preciso crer no Papa. Porém, não tenhas receio de que ele venha a dizer-te para mudar de via: não lhe darei tempo, pois, se chegando ao Céu me inteirasse que te induzi a erro, eu obteria do bom Deus autorização para vir imediatamente te prevenir. Até lá, deves crer que minha via é segura, e segui-la fielmente.
Um angustiante problema financeiro
Folheando as atas do processo de beatificação da Serva de Deus, encontramos, além de seus escritos e das declarações das testemunhas, também o relato de milagres realizados por ela post mortem.
Num desses, operado no mosteiro carmelita de Gallipoli (Itália), Santa Teresinha confirma a segurança e a santidade de sua “pequena via”.
No mês de janeiro de 1910, o Carmelo de Gallipoli encontrava-se numa situação econômica catastrófica: em matéria de alimentação, as freiras estavam reduzidas a um quilo de pão para cada uma, por semana; havia dias em que, nada havendo para comer, elas iam para a capela rezar, em vez de ir para o refeitório.
Passou por lá nessa época uma religiosa da Congregação das Marcelinas, de Milão, falou-lhes da jovem Serva de Deus Teresinha do Menino Jesus e lhes deu de presente a tradução italiana da História de uma Alma.
As carmelitas de Gallipoli se entusiasmaram com essa sua irmã de hábito morta em odor de santidade na França e iniciaram, por intercessão dela, um tríduo à Santíssima Trindade, pedindo a solução de seu angustiante problema financeiro.
No dia 16 desse mesmo mês de janeiro, a Madre Priora, Sor Maria Carmela do Coração de Jesus, caiu doente com febre e mal-estar, devido às preocupações pelas dívidas do seu mosteiro. Ela própria narra o que aconteceu nessa noite.
“Aqui tens 500 francos para pagar as dívidas”
Por volta de três horas da madrugada – conta ela – senti que uma mão me cobria com muita ternura com o cobertor que havia caído. Julgando ser uma religiosa do convento, disse-lhe sem abrir os olhos: – Deixa-me, estou transpirando muito.
Ouvi então uma voz doce e desconhecida que me dizia:
– Não, o que estou fazendo é uma coisa boa. Escuta, o bom Deus se serve dos habitantes do Céu, como dos da terra, para socorrer os seus servidores. Toma, aqui tens 500 francos para pagar as dívidas da comunidade.
– A dívida da comunidade é de apenas 300 francos.
– Pois bem, restarão 200. Agora, como não podes guardar dinheiro na cela, vem comigo.
Eu, porém, pensei: “Como levantar- me? Estou cheia de suores”. Então a celeste visão me disse sorrindo: “A bilocação nos ajudará”.
Encontrei-me imediatamente fora da cela em companhia de uma jovem carmelita cujo hábito e véu deixavam transparecer uma claridade paradisíaca que nos iluminava o caminho.
Ela conduziu-me à sala onde guardávamos o dinheiro em uma pequena caixa. Ali estava a anotação das dívidas da comunidade, e ali ela depositou os 500 francos. Olhei-a com uma admiração cheia de alegria e me prosternei para lhe agradecer, dizendo: “Oh! Minha Santa Madre!” (É assim que as carmelitas se referem a Santa Teresa de Ávila). Ela, porém, acariciandome com muito afeto, disse: “Não, não sou nossa Santa Madre, sou a Serva de Deus Sor Teresa de Lisieux”.
Então a jovem religiosa, acariciando- me uma vez mais com amor, afastou- se suavemente.
“Minha via é segura e não me enganei seguindo-a”
Atônita pelo que acabava de suceder, e pensando que Santa Teresinha não encontraria a porta de saída do Carmelo, a Priora disse-lhe um tanto maquinalmente:
– Cuidado, poderia errar o caminho!
– Não, não, minha via é segura e não me enganei seguindo-a – respondeu a Santa com um sorriso celestial.
Sor Maria Carmela levantou-se imediatamente e foi para a Capela. As religiosas, notando nela algo diferente, lhe perguntaram o que havia acontecido. Ela lhes narrou a maravilhosa visão e foram todas ver a caixa onde se guardava o dinheiro do Carmelo, e lá encontraram a nota de 500 francos!
O bispo perdeu, as carmelitas ganharam
Mas não terminou aí o milagre. Nos meses seguintes a Serva de Deus apareceu diversas vezes à afortunada Priora, falava-lhe de “coisas espirituais” e lhe dava ajudas econômicas. Na noite de 15 de junho, narra a Madre Carmela, “ela prometeu trazer-me em breve 100 francos”.
Porém, o mais pitoresco e gracioso deste modo de agir de Santa Teresinha é a maneira como fez chegar essa importância às carmelitas de Gallipoli.
O bispo dessa diocese, Dom Gaetan, contou-lhes que havia notado em sua caixa a falta de uma nota de 100 francos e esperava que Sor Teresa a levaria para elas… E assim ocorreu!
Em 6 de agosto, a Santa de Lisieux apareceu novamente à Madre Carmela, trazendo na mão uma nota de 100 francos, e lhe disse: “O poder de Deus retira ou dá com a mesma facilidade tanto nas coisas temporais quanto nas espirituais”.
A Priora apressou-se a devolver essa quantia ao Bispo, mas este a enviou de volta às religiosas.
“Esses ossos benditos farão milagres extraordinários”
Em 5 de setembro desse ano – véspera da exumação de seus restos mortais – a Serva de Deus apareceu mais uma vez.
“Depois de falar-me a respeito do bem espiritual da comunidade – narra a Madre Carmela – ela me anunciou que na exumação só se encontrariam ossos. Depois me fez compreender os prodígios que ela faria no futuro. ‘Esteja segura, minha querida Madre, de que esses ossos benditos farão milagres extraordinários e serão armas poderosas contra o demônio’.”
A Priora observou que a Santa da “pequena via” sempre aparecia na aurora, seu semblante era belo e luminoso, suas vestes brilhavam como prata transparente e suas palavras soavam como melodia de Anjo.
Uma nova confirmação
Sor Teresinha voltou a manifestar- se nesse Carmelo no ano seguinte, desta vez a propósito de Dom Nicolas Giannattasio, Bispo de Nardo, cidade próxima de Gallipoli.
Esse Prelado havia estudado muito a vida da Serva de Deus. Sem ter tido conhecimento das palavras dela a Sor Maria da Trindade em 1897, julgava que a resposta dada à Priora em 1910 – “minha via é segura” – devia ser entendida no sentido espiritual e como uma confirmação de sua “pequena via”.
Com a idéia de obter essa confirmação, e de pedir para si e para sua Diocese a proteção da jovem Serva de Deus, decidiu fazer um teste ousado. Colocou num envelope uma nota de 500 liras, junto com seu cartão de visitas, no qual escreveu:
In memoriam
“Minha via é segura e eu não me enganei”. Sor Teresinha do Menino Jesus a Sor Maria Carmela, em Gallipoli, no dia 16 de janeiro de 1910.
Ora pro me quotidie ut Deus misereatur mei (Roga por mim todos os dias, para Deus ter piedade de mim).
Dom Giannasttasio lacrou o envolope e o entregou às carmelitas de Gallipoli, pedindo-lhes para colocá- lo na caixa onde Santa Teresinha havia operado os milagres.
Pouco tempo depois foi ao Carmelo pregar um retiro, no fim do qual quis ver esse envelope. Ele estava intacto, mas um tanto mais volumoso… Abrindo-o, o bispo encontrou, não apenas as 500 liras, mas 800, que ele deu imediatamente às religiosas. Uma das notas exalava um suave odor de rosas.
Tanto Dom Giannasttasio quanto as carmelitas compreenderam que, por meio desse novo prodígio, Santa Teresinha queria manifestar claramente que sua “pequena via” era segura.
Poucas vezes um caminho de perfeição foi confirmado por uma ação milagrosa tão extraordinária.
Podemos imaginar a alegria de Sor Maria da Trindade ao tomar conhecimento desses fatos narrados por suas irmãs de vocação do Carmelo de Gallipoli. A Pequena Via de sua querida mestra de noviças era comprovadamente um caminho seguro e não levava ao erro…
A santidade ao alcance das pessoas comuns
A própria Santa Teresinha explica, nos Manuscritos Autobiográficos, em que consiste a sua “pequena via” de santificação.
“Sempre desejei ser santa, mas – pobre de mim! – sempre constatei, ao me comparar com os santos, que entre eles e eu existe a mesma diferença que há entre uma montanha cujo cume se perde nos céus e o grão de areia obscuro pisado pelos transeuntes. Longe de desanimar, disse a mim mesma: ‘O bom Deus não pode inspirar desejos irrealizáveis. Logo, apesar de minha pequenez, posso aspirar à santidade. Tornar-me grande, é impossível; devo, pois, me suportar tal como sou, com todas as minhas imperfeições, mas quero procurar um meio de ir ao Céu por uma pequena via bem direita, bem curta, uma pequena via inteiramente nova’.”
Nessa época, fazia enorme sucesso o elevador, recém-inventado, que poupava às pessoas o esforço de subir escadas. Sor Teresinha sentiu um grande desejo de “encontrar um ascensor para me elevar até Jesus, porque sou pequena demais para galgar a rude escada da perfeição”. Pôs-se então a procurar nos Livros Sagrados e encontrou este pensamento: “Se alguém é pequenino, que venha a Mim” (Pr 9, 4). Continuando sua pesquisa, encontrou esta afirmação: “Como uma mãe acaricia seu filho, assim Eu vos consolarei, vos carregarei ao peito” (Is 66, 12-13). E concluiu cheia de júbilo: “Ah! O elevador que deve me erguer até o Céu são vossos braços, ó Jesus!”
Estava explicitado em que consiste a “pequena via”, o caminho da infância espiritual. Nela, o importante, não é fazer grandes mortificações corporais, mas aceitar com humildade a própria pequenez, as próprias limitações, até mesmo as próprias imperfeições, e ter um amor e uma confiança sem limites na bondade de Deus; e, como fruto desse amor, ter imensos desejos de fazer com perfeição os atos da vida diária.
Com sua doutrina e, sobretudo, com seu exemplo, a suave Carmelita de Lisieux demonstrou que a santidade é acessível a todos. Ela “viveu a santidade pura e simples, com todo o encanto e sedução da alma moderna, muito humana e muito próxima de nós”, afirma um de seus mais insignes biógrafos.
Ao canonizá-la – mais ainda, ao proclamá-la Doutora da Igreja – a Santa Igreja oficializou sua “pequena via” como um autêntico caminho de santidade. Isso foi afirmado claramente pelo Papa Bento XV, em discurso de 14 de agosto de 1921: “No caminho da infância espiritual está o segredo da santidade para os fiéis do mundo inteiro”. E a bula de canonização assinala que por meio de Santa Teresinha Deus propunha aos homens um novo modelo de santidade, ao alcance não só de padres e freiras, mas também dos leigos de todas as idades e condições sociais. (Revista Arautos do Evangelho, Out/2005, n. 46 e Set/2004, n. 33)
Santa Teresinha do Menino Jesus, Carmelita
Maria Francisca Teresa, ou Teresinha, depois Teresinha do Menino Jesus, nascida aos 2 de Janeiro de 1873, era filha de Luís José Aloyles Estanislau Martin e de Zélia Maria Guerin, dos quais a Santa, mais tarde diria: “O bom Deus deu-me um pai e uma mãe mais dignos do céu do que da terra.”
Depois de terem imitado, durante dez meses, a vida toda a pureza de Nossa Senhora e de São José, rogaram ao Senhor que se dignasse dar-lhes muitos filhos, e os tomasse para si. Com efeito, casados em 1858, em 1860 nasceu-lhes Maria Luísa; em 1861, Maria Paulina; em 1863, Maria Leônia; em 1864, Maria Helena, que faleceu em 1870; em 1866, Maria Celina, falecida no Carmelo de Lisieux; e em 1870, Maria Melânia Teresa, que morreu no ano mesmo em que nasceu. Com excessão das falecidas, as demais foram religiosas.
Santa Teresinha veio ao mundo em Alencon. Quando a mãe, a boa Zélia Maria, faleceu, contava quatro anos e, embora em tenra idade, sofreu grande choque. Luís Martin então deixou a cidade e foi ficar-se em Lisieux, nos Buissonnets, perto da farmácia do cunhado Guérin.
Teresinha, para Luís Martin, era a filha querida, a “pequenina rainha da França e da Navarra”, como a chamava. Invariavelmente, colocava-a sobre os joelhos e, em cadência de cavalinho, ia-a balançando, a cantar, destacando as sílabas:
Mon petit Reinot
qui a fait La fortune
de toute l’Auvergne,
fouchtra!
Morta a mãe, Teresinha viu-se rodeada pela ternura do pai e das irmãs, principalmente dos cuidados de Paulina, a sua mãezinha.
Desde os três anos de idade que a nossa santa resolveu nada recusar a Jesus, Assim é que, sendo a caçula, e, pois, a mais mimada, assentou que de tal privilégio não havia de abusar jamais.
Tímida, amável, obediente, às vezes, como ela mesma nos conta, era vaidosa. Vivia-lhe ainda a mãe, quando nos relata o que se segue:
Duma feita, devíamos ir ao campo, à casa duma família amiga. A mamãe disse a Maria que me pusesse o meu lindo vestido, mas que me cobrisse os braços. Não disse palavra, mostrei até indiferença, própria das crianças daquela idade, mas, interiormente, dizia: Quanto mais bonita iria eu com os meus bracinhos de fora”.
E então? Como se os santos já nascessem santos! Quanto detratores há da religião, pelo mundo afora, que, por isto e por aquilo, desmerecem os escolhidos de Deus. A santidade há que se conquistar com o combate, combate rude, que só com a graça do Alto se levará a bom termo.
Com treze anos por motivo de doença, retiraram-na do colégio, para ficar com uma preceptora da sociedade, que se encarregaria de lhe completar a educação. Daqueles tempos, diria: “Nesta salinha mobiliada à antiga, rodeada de cadernos, assisti, muitas vezes, à recepção de numerosas visitas. A mãe da minha professora era quem sustentava a conversa. Todavia, nesses dias, não aprendia grande coisa. Com o nariz em cima do livro, ouvia tudi, até mesmo o que seria melhor não ouvir. Uma das senhores dizia que eu tinha um lindíssimo cabelo, outra, ao sair, perguntava quem era a mocinha tão bonita. E estas palavras, tanto mais lisonjeadoras porque eram pronunciadas para mim, davam-me tal prazer que eu via claramente quanto estava cheia de amor próprio.
Em agosto do ano de 1879, estava, então com quase sete anos, ocorreu o primeiro fenômeno verdadeiramente extraordinário que encontramos na vida mística da Irmã Teresa, – como diz Petitot – a visão profética que se relaciona com Luís Martin. Segundo a autobiografia, confirmada pelo depoimento das principais testemunhas, dá-nos a cena como passada no verão.
Deviam ser dias ou três horas da tarde. O sol, esplendoroso, brilhava por todo os Buissonets, e a natureza parecia estar em festa.
Luís Martin estava fora, ausentava-se já de alguns dias. Em Alencon, tratava de negócios. Maria e Paulina, num dos quartos da casa, trabalhavam. Noutro quarto, Teresinha, pela janela, apreciava a natureza. Teve a santa, naquele dia, a sombria visão da mais pesada prova moral que, em 1892, muitos anos mais tarde, pois, devia afligi-la. Diz ela com pormenores: Encontrava-me sozinha a uma das janelas que davam para o jardim e tinha o espírito com pensamentos alegres, quando vi defronte da lavanderia, à minha frente, um homem vestido exatamente como meu pai, da mesma estatura, com o mesmo andar, mas mais curvado e envelhecido. Digo envelhecido para pintar o conjunto geral da sua pessoa, porque não lhe vi o rosto; a cabeça estava coberta com um espesso véu. Caminhava lentamente e, com passo regular, ao longo do jardinzinho. Imediatamente, fui tomada dum sentimento de pavor sobrenatural e gritei alto, com voz trêmula:
– Papai, Papai!
Mas a personagem misteriosa parecia não ouvir; continuou a andar sem se voltar, e dirigiu-se para um bosquezinho de pinheiros que cortava a álea principal do jardim. Esperava vê-la reaparecer do outro lado das grandes árvores, mas a visão profética desvanecera-se.
Maria e Paulina, quando ouviram aquele grito: Papai!Papai! correram até Teresa, em busca de explicação para as notas de terror que sentiram na voz da irmã.
Cientes do sucedido, deram minuciosa busca por toda a extensão do jardim, e nada encontraram. Mas Teresa teimava e dizia:
– Eu vi um homem e esse homem parecia-se absolutamente com papai!
Cansadas de rebuscar pelas moitas, pelos arbustos, de olhar por todos os recantos que pudessem esconder um ser humano, acabaram por voltar para casa. E as duas mais velhas aconselharam a Teresinha que não mais pensasse no caso. Não pensar mais no que sucedera! Ah! Diria ela, mais tarde, se estivesse na minha mãe! Muitas vezes a imaginação me representava essa visão misteriosa. Muitas vezes procurava levantar o véu que lhe encobria o sentido, e no íntimo do coração tinha a convicção de que um dia me seria inteiramente revelada.
E o foi, de fato. Anos mais tarde, Luís Martin precisaria ir a Alençon. Julgando-se muito feliz, conta-nos Petitot, muito cheio de consolações, ofereceu-se como vítima na Igreja de Nossa Senhora:
– Meu Deus, exclamou ele, é demasiado! Sim, sou feliz demais, e não é possível ir assim para o céu – quero sofrer alguma coisa por vós! Ofereço-me para ser vítima…
Deus aceitou a oferta deste pai venerado e, pouco tempo depois foi acometido de ataques de paralisia que, pouco a pouco, acabaram por lhe tirar o uso das faculdades intelectuais. Que prova para aquele pai e para a família a perda da inteligência! Era a luz, o sol do mundo ideal que se extinguia e, com ela, tudo o que dizia respeito ao espírito sucumbia nas trevas e no caos.
Na definição do homem, se lhe tira o uso da razão, que fica? O velho curvado que Teresa vira na sua inexplicável visão é o pai acometido pela paralisia mental que avança a passo lento para o túmulo.
Coisa notável, conta-nos uma das filhas, no princípio da doença, viam-no, muitas vezes, cobrir a cabeça. Como a realidade corresponde exatamente à profecia até nos pormenores, que pareciam secundários!
Mas uma pergunta se formula, que a própria Irmã Teresa na sua autobiografia se acautela de não iludir: “Por que, escreveu ela, quis Nosso Senhor dar esta luz a uma criança que, se a tivesse compreendido, teria morrido de dor? Por que? Eis um mistério que só no céu compreenderemos para fazer dele assunto da nossa admiração. (…)
Em 1881, então com oito anos, Teresinha passou a freqüentar, como semi-pensionista a abadia beneditina de Lisieux, onde se aplicou aos estudos, tudo para que ao pai pudesse dar alegria. As boas notas que tirava, porque se esforçava para ser sempre das primeiras da turma, eram todas para o bom Luís Martin. E Teresinha estudava muito, mesmo nas horas em que os colegas pulavam o recreio. A idéia de tirar notas baixas martirizava-a.
Paulina, a doce Paulina que escolhera para substituir a mãe, a mãezinha Paulina, estava prestes a buscar a quietude do convento.
Em 1882, abria-se em Teresinha a ferida causada com a morte de Zélia Maria: com a entrada da mãezinha no Carmelo de Lisieux, ia-se transformar. Não brincaria mais, Iria viver tristemente, a suspirar. Com efeito, só faiza pensar e pensar. Começou, então a ter dores de cabeça com muita freqüência. Às vezes, queixava-se. E, para esquecer a mãezinha que se fora, estudava, estudava muito. Que falta, que grande falta lhe fazia Paulina!
Em 1883, adoeceu gravemente. Era uma doença estranha, que parecia sobretudo nervosa. As dores de cabeça, de suportáveis, passaram a terríveis, insuportáveis, e um esquisito tremor entrou a apoderar-se da menina. E as coisas do quarto em que jazia, tomavam formas fantásticas, que aterravam. Gritava. Gritava de espantar. Quando lhe iam administrar remédios, recuava, apavorada, recusava-os terminantemente. E gritava, de confranger:
– Querem envenenar-me!
Maria, a irmã mais velha, um dia, percebeu que Teresa não a reconhecia. Que dor! Aflita, pôs-se a dizer quem era. Lançando mão de toda a suavidade, calcando a dor, procurava fazer-se reconhecer. Tudo em vão.
Quem poderia descrever a amargura de Luís Martin? Que teria a sua Rainha, aquela rainha que punha sobre os joelhos e enchia de mimos?
Maria, desesperada, principiou a rogar a Nossa Senhora, numa novena, a cura da irmãzinha que não mais a conhecia. Leônia e Celina, prontamente, cheias do mais vivo fervor, uniram-se a ela, com a alma a vibrar. E Teresinha, mesmo naquele triste desolador estado, abalada por violentas crises, acompanhou-as. A segunda visão da festejada Santa de Lisieux estava próxima. Ia dar-se o milagre.
No quarto da enferma havia uma estátua da Virgem. No domingo de Pentecostes, enquanto as irmãs oravam a Nossa Senhora das Vitórias, Teresinha viu a imagem mover-se. De repente, diria, a estátua animou-se! A Santíssima Virgem tornou-se linda, tão linda, que nunca encontrei expressão que pudesse dar uma idéia desta divina beleza. O rosto respirava doçura, bondade, ternura inefáveis, mas que me penetrou até o fundo da alma foi o seu sorriso arrebatador! Então, todas as minhas penas se desvaneceram, duas grossas lágrimas me caíram das pálpebras e correram silenciosamente.
Estava curada, radicalmente curada. Tinha o rosto radiante, tão radiante, que as irmãs adivinharam a cura. E Teresinha, a elas, candidamente, tudo contou.
Em 1886, Maria, a irmã mais velha buscava seguindo as pegadas de Paulina, o Carmelo.
No ano seguinte, a “rainha da França e da Navarra” confiava ao pai o desejo que tinha de também entrar naquela ordem. Luís Martin, depois dalguma reflexão, consentiu, mas o farmacêutico Guerin, embora fosse ótimo cristão, opôs-se.
Teresinha não se desencorajou. E, toda esperança, pôs-se à espera. Conta-se dela nessa altura da vida, a conversão que conseguiu do bandido Pranzini, à força da oração. Havia vencido certos escrúpulos, porque muito impressionável, excessivamente emotiva, e agora, confiante, toda no desejo de salvar almas, propusera-se obter de Deus a conversão daquele homem à beira do abismo, Foi atendida. O capelão, que assistiu aos derradeiros momentos de Pranzini, contou que o pobre condenado, braços atados às costas, pediu insistentemente o crucifixo, ao qual, com grande amor e maior respeito, várias vezes cobriu de beijos.
Que grande alegria! Salvar uma alma prestes a perder-se. “É o meu primeiro filho, dizia ela, depois. Mandava celebrar-lhe missas pela alma, dizendo: “Não posso esquecê-lo, pois deve ter tanta necessidade disso, depois da partidas que pregou.”
Eis senão quando, o tio Guérin acabou por consentir que a sobrinha procurasse as carmelitas. Assim, com o pai, viajou para Bayeux, em busca da autorização para a entrada no Carmelo, porque tinha somente quinze anos.
O superior achava conveniente esperar até que Teresinha completasse os vinte e um, mas a jovem foi tão eloqüente, o pai apoiou-a tão firmemente, que o bispo acabou prometendo tudo fazer para que o desejo da pequena fosse satisfeito. Em Roma, a audiência com o Supremo Pontífice correu bem. Disse a ela o Papa Leão XIII:
– Se o bom Deus quiser, tu entrarás.
Escreveu a Paulina – Irmã Inês de Jesus: “Se tu soubesses como me bateu o coração, ao ver que minha hora havia chegado!”
Santa Teresinha estava no Carmelo aos 9 de Abril de 1888. A 10 de Janeiro do ano seguinte, tomava o hábito. Desde então passou a ser irmã Teresa do Menino Jesus da Santa Face. Em Fevereiro o pai era transferido para a casa de saúde de Caen.
A 8 de Setembro de 1890, fez profissão. Com vinte anos, foi encarregada da direção espiritual das noviças. Leiamos o que escreveu:
“Logo que penetrei no santuário das almas, julguei, à primeira vistam que a tarefa excedia as minhas forças, mas logo me lancei nos braços de Nosso Senhor …. e disse-lhe: Senhor, bem vedes, sou pequenina para alimentar as vossas filhas; dai-lhes, em meu lugar, o que a cada uma convém, enchei a minha mão e, sem deixar os vossos braços, sem mesmo afastar a cabeça, distribuirei os vossos tesouros à alma que me vier pedir sustento … compreendendo assim que nada podia fazer por mim mesma, a tarefa pareceu-me simplificada. Ocupava-me interior e unicamente em me unir a Deus cada vez mais, sabendo que o resto me seria dado por acréscimo…. Confesso, minha Madre, se tivesse agido doutra maneira, se me tivesse apoiado nas próprias forças, teria, sem demora, deposto as armas!”
Por toda a vida religiosa, Santa Teresinha do Menino Jesus procurou, nas mínimas coisas, praticar a regra do Carmelo. Procurava, contudo, evitar os excessos, porque não queria ser alvo de atenções. Queria passar despercebida, desejava trabalhar “sem ver o fruto do seu labor”. Às vezes era mal interpretada por esta ou aquela da comunidade, Dizia certa irmã conversa, que se azafamava na cozinha:
– Vejam como ela anda. Nunca tem pressa. Quando tem de fazer alguma coisa não serve para nada.
Por que este dito? Porque era moderada, e dizia: Vós vos entregais com demasiado ardor no que fazeis, atormentai-vos nos vossos empregos como se fosseis as únicas responsáveis por eles. Como algumas almas não lhe conheciam o caráter! Diziam as irmãs de Santa Teresinha:
Viam-na sempre sorridente, mostrando uma alegria amável, e, não penetrando na sua intimidade, podia julgar-se que seguia uma senda muito suave, muito cheia de consolações. Também muitos leitores da sua vida não descobrem a significação desse sorriso, não vêem a cruz cuidadosamente oculta debaixo das flores. Esquecem as palavras do réu profeta: “Quando se olha para Deus, fica-se radiante de alegria”.
Se as religiosas que a censuravam pudessem agir como Teresinha agia, encontrariam sem dúvida, e bem depressa, o inverso. Uma santa religiosa da comunidade, conta-nos a Santa de Lisieux, tinha outrora o defeito de me desagradar em tudo. Procurava eu então fazer por essa Irmã tudo quanto faria pela pessoa que mais estimasse. Sempre que me encontrava com ela, pedia a Nosso Senhor por ela. Prestava-lhe todos os serviços que estavam ao meu alcance, e quando tinha vontade de lhe dar uma resposta desagradável, apressava-se a dar-lhe o meu melhor sorriso, mudando de conversa. Muitas vezes, também, quando o demônio me tentava violentamente e não podia esquivar-me, sem que ela percebesse a minha luta íntima, fugia como o soldado desertor. Entretanto, disse-me ela, um dia, com ar radiante: Irmã Teresa do Menino Jesus, diga-me, em segredo o que é que em mim a atrai? Nunca a encontro sem que não me dê um gracioso sorriso. Ah! O que nela me atraia, era Jesus oculto no fundo da sua alma, o Jesus que torna doce quanto há de mais amargo!
A 29 de julho de 1894, Luís Martin falecia na casa do cunhado Guerin. Em setembro, Celina ia juntar-se às irmãs no Carmelo, Teresinha, então, era monitora. Em Dezembro, nossa Santa recebia da priora, da mãezinha Paulina, agora Madre Inês de Jesus, a ordem de escrever as recordações da infância.
Santa Teresinha ajoelhou-se diante da imagem de Nossa Senhora do Sorriso, a quem devia a cura milagrosa daqueles duros dias de enferma, orou por algum tempo, abriu o Novo Testamento e principiou a obra.
Diz ela:
Antes de tomar a pena, ajoelhoei-me diante da estátua de Maria, aquela que tantas provas nos deu das maternais preferências da Rainha do Céu, pedi-lhe que me guiasse a mão, para não escrever uma linha só que lhe desagradasse. Em seguida, abertos os Santos Evangelhos, os meus olhos depararam com estas palavras: Jesus, subindo a uma montanha chamou a si aqueles que quis …
Sem se preocupar com técnica de composição ou com o que quer que seja, sem consultar livros, memórias, dicionários ou gramáticas (apenas alguns documentos de família) foi escrevendo, calmamente, sem se exaltar. Sentada num banquinho baixo, muito baixo, escrevia sobre uma caixa, de gavetinha, colocada nos joelhos, Quieta, rememorando coisas passadas ali, dum canto da cela, perto da enxerga, compôs para os pósteros.
Inês de Jesus, leu o manuscrito e ficou maravilhada. Era um primor, uma obra-prima de simplicidade e de honestidade. Nas primeiras páginas indicou três períodos bem marcados na sua infância, conta-nos H. Petitot, até a sua entrada no Carmelo, Foi o Padre Godofredo Madalena, premonstratense, que, de acordo com a Madre Inês de Jesus, dividiu a obra em capítulos.
Como se adverte no Prefácio das últimas edições, o trabalho inicial da Irmã Teresa só compreendia os oito primeiros capítulos. Começada nos primeiros dias de 1894, a redação estava terminada a 20 de janeiro de 1896, festa de Santa Inês.
Entrando no coro das religiosas para a oração da noite, a Irmã Teresa veio entregar, de joelhos, à Prioresa, a narrativa que esta lhe mandara escrever. A Madre Inês de Jesus, que estava a acabar o termo do seu priorado e cujos momentos era absorvidos por múltiplos cuidados, colocou distraidamente o manuscrito na estante, depois levou-o para a cela e o guardou.
Alguns dias mais tarde, as irmãs tiveram que eleger outra prioresa. A eleição foi trabalhosa, A Madre Inês de Jesus, pelo seu caráter de suave firmeza, adquirira a estima das religiosas, mas a Madre Maria de Gonzaga, pelo prestígio da sua autoridade, conservava as suas partidárias. Após sete escrutínios, foi eleita.
A transmissão de poderes numa comunidade religiosa faz-se sem complicações. Todavia, a Madre Inês de Jesus andava bastante preocupada com todas estas mudanças, e esqueceu por completo o manuscrito a que não ligava importância de maior; e a Irmã Teresa despegada de tudo, buscando só a paz e o esquecimento, também tinha o cuidado de a ele não fazer a menor alusão, Ninguém pensava então na publicação dessa obra-prima. Assim, decorreram dois meses.
A Madre Inês de Jesus, voltando a simples religiosa e dispondo de mais tempo, encontrou o manuscrito, leu-o, e ficou edificadíssima e encantada.
Aos 4 de Abril de 1896, sexta-feira santa, a doença que devia levar Teresinha deste mundo declarou-se. A Madre Inês de Jesus estava desolada. A irmã quase nada escrevera sobre a vida religiosa. Embora o manuscrito desse precioso, jazia incompleto, e incompleto permaneceria se a nova prioresa não lhe desse ordem para continuar. Que fazer, se a Madre Maria de Gonzaga era muito conservadora, muito autoritária? Era bem capaz de recusar a ordem sem pestanejar.
Afinal, depois de muito pensar, Inês de Jesus, criando coragem, foi ter com a prioresa. Mais tarde, escreveria:
Vendo a Irmã Teresa do Menino Jesus muitíssimo doente, na tarde de 2 de Julho de 1897, quatro meses antes de sua morte, pela meia-noite, fui ter com a Madre Prioresa: Minha Madre, disse-lhe eu, não posso dormir sem lhe confiar um segredo: quando eu era prioresa, a Irmã Teresa escreveu, por obediência e para me dar prazer, algumas recordações de sua infância. Reli-as outro dia; é bonito, mas não se poderá tirar dali grande coisa quando tiver que se fazer circular anunciando a sua morte, porque não diz nada da sua vida religiosa. Se lhe ordenasse, ela poderia escrever qualquer coisa mais grave e não duvido de que ficaria com coisa muito melhor do que a que eu possuo. Nosso Senhor abençoou os meus passos e, no dia seguinte, de manhã, a Nossa Madre ordenou à Irmã Teresa que continuasse a sua narrativa. Já lhe tinha preparado um caderno um caderno, mas ela o achou bom demais, ainda que fosse vulgar, e temia cometer falta contra a virtude da pobreza, servindo-se dele. Perguntou-se se não seria preciso apertar as linhas para gastar menos papel. Respondi-lhe que estava muito doente para se cansar, se escrevesse desse modo. O que precisava era espacejar as linhas e escrever coom letra grande.
Em julho do mesmo 1897, havia redigido cinqüenta páginas. A pena, então, caiu-lhe da mão. Era a fraqueza. Instalaram-na, pois, numa cadeira de rodas, e Teresinha entrou a escrever no jardim, ao ar livre, à sombra dos castanheiros.
Foi ali que escreveu, para as carmelitas, as últimas páginas, como que o seu testamento espiritual. (…)
Tratando-se de graças místicas, Santa Teresa de Lisieux foi favorecida com elas.
Duma feita, a Madre Inês de Jesus perguntou-lhe se conhecera estados de oração. Teresinha respondeu-lhes:
Sim, no jardim por várias vezes, à hora do calmo silêncio da noite, no verão, tendo-me sentido em tão grande recolhimento e o coração de tal modo unido a Deus, com tanto ardor e com tão suaves aspirações de amor, que me parece que estas graças são as que a nossa Madre Santa Teresa chama vôos de espírito.
A oração de recolhimento, quando se perpetua, é como fogo que arde debaixo da cinza, diz o autor de Santa Teresa de Lisieux, mas, em certos momentos projeta chamas ou transportes de amor. Quando estes transportes de amor. Quando estes transportes são muito veementes, atravessam o invólucro da nossa carne mortal e são capazes de por a vida em risco.
Nossa Santa provou várias vezes estes transportes de amor. Uma vez, mesmo, quase veio a morrer. Diz-nos ela mesma:
Alguns dias depois do meu oferecimento ao Amor Misericordioso, comecei no coro o exercício da Via Sacra; de repente, senti-me ferida dum dardo de fogo tão ardente que me julguei à morte. Não sei como explicar este transporte; não há comparação que possa fazer compreender a intensidade desta chama. Parecia-me que uma força invisível me mergulhava inteiramente no gogo. Oh! Que fogo! Mas, que doçura!… Um minuto, um segundo mais, e a minha alma separar-se-ia do corpo …. Mas ai! Encontrava-me sobre a terra…. e a aridez, imediatamente, voltou a habitar no meu coração!.
Depois:
Enfim, minha Mãezinha, é o que os santos tantas vezes experimentaram. São João da Cruz, com efeito, cantou:
“Ó suave ardência!
Ó chaga deliciosa!
Ó suave mão! Ó suave toque!
Tendes o sabor da vida eterna …”
Santa Teresinha morreu num êxtase de amor. Como vimos, descaiu-lhe a cabeça para o lado direito, dir-se-ia que terminara o combate, mas, de repente, levantou-a, ficando a estátua de Maria Santíssima num longo, estático olhar de amor. Diz a Madre Inês de Jesus:
Julgávamos que tudo estava acabado, quando, de repente, levantou os olhos cheios de vida e chama, nos quais se refletia uma felicidade que exercia todas as nossas esperanças. A Irmã Maria da Eucaristia, querendo ver mais de perto esse olhar, que durou o espaço dum Credo, passou e repassou uma luz por diante das suas pálpebras sem as fazer vacilar. Era um êxtase, uma visão do céu, mas uma visão que lhe punha no coração demasiado amor, demasiado reconhecimento, e não pode suportar os “assaltos deliciosos” e teve que quebrar os elos dessa cadeia.
São João da Cruz expôs como morrem os santos inflamados no amor divino. Sucumbem, sem dúvida, por causa da doença, em virtude das fadigas, do peso da idade, mas o que lhes arrebata a vida é outra coisa – “é uma aspiração suprema de amor.”
Santa Teresinha, na terra, viveu de aspirações de amor: poderia, então, morrer doutra maneira, ela que, no mundo, vivia no céu?
Não sei bem, dizia, o que é que poderei ter a mais no céu do que p que possuo na terra. Verei a Nosso Senhor, é certo, mas, quanto a estar com ele, já estou inteiramente com ele na terra.
E também:
Vives em mim prisioneira noite e dia.
Um das santas mais populares do mundo, a origem da veneração e da glória de Santa Teresinha data da primeira publicação da sua autobiografia – História duma Alma – aparecida em 1898, depois traduzida para mais de trinta línguas.Antes da Primeira Grande Guerra, quando ainda não tinha sido beatificada, tinham-se editado nos primeiros quinze anos, cerca de duzentos mil exemplares em língua francesa. Cartas, pedidos de retratos, choviam, diariamente, no Carmelo de Lisieux. E o povo cristão vivia no mais fervoroso afã de conseguir o que quer que fosse pertencente a Santa Teresinha, porque, lendo a História duma Alma, tinha a certeza de que inteiramente conhecia a alma da meiga Santa de Lisieux, alma que aparecia “como um lindíssimo modelo de heróica santidade em que Nossa Senhor pôs a sua graça”. Sentia-se que logo seria beatificada, logo seria canonizada, O povo mesmo, antes da Igreja, já a havia canonizado.
Fotos: santiebeati.it /// (Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XVII, p. 270 à 296)
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