SANTO DO DIA – 22 DE NOVEMBRO – SANTA CECÍLIA
Virgem e Mártir (século II e III)
Cecília, entre as mais populares virgens de Roma, é apresentada como ‘virgo clarissima’ e ao mesmo tempo como esposa do jovem Valeriano. A ‘Paixão’, posterior ao século V, pouco confiável do ponto de vista histórico, estende-se nos particulares para esclarecer a aparente contradição: virgem esposa.
Na noite de núpcias, Cecília confidenciou ao esposo haver consagrado a própria virgindade a Deus, e acrescentou: “Nenhuma mão profana pode tocar-me porque um anjo me protege”. Convidou-o então a seguir seu exemplo, fazendo antes de tudo com que se batizasse.
O contrariado esposo não protestou. E na manhã seguinte dirigiu-se à via Ápia, onde o papa Urbano estava escondido entre os monumentos funerários. Instruído e batizado, voltou depois para a jovem esposa e um anjo colocou em sua cabeça uma coroa de rosas e lírios.
O irmão de Valeriano, Tibúrcio, seguiu seu exemplo, e ambos se consagraram à piedosa obra de sepultar os mártires cristãos. Foram logo presos, processados e condenados à decapitação a quatro milhas fora de Roma. Pelo caminho os dois irmãos conseguiram converter o prefeito Máximo, que colheu com eles a palma do martírio.
Cecília depôs seus corpos em um sarcófago, depois lhe coube dar a Cristo o extremo testemunho. Condenada à fogueira, saiu ilesa do suplício. Passou-se então à decapitação, mas a espada do verdugo não conseguiu cortar-lhe a cabeça. Cecília esperou assim por três dias a visita do papa Urbano e por todo aquele tempo continuou a professar a sua fé ao Deus Uno e Trino, com os dedos da mão, pois não podia proferir uma palavra. Nesta atitude foi esculpida por Maderno a sua célebre estátua.
Antes de morrer, encontrou um modo de encarregar o papa da distribuição de seus bens aos pobres, pedindo-lhe que transformasse sua casa em igreja. Aqui termina a ‘Paixão’. A história averiguou a existência dos mártires Valeriano e Tibúrcio, se bem que seja difícil estabelecer uma relação entre eles e santa Cecília.
O patrocínio da mártir romana à música sacra deveu-se a uma simples frase que se lê na ‘Paixão’, segundo a qual a jovem esposa, no dia das núpcias, “enquanto os órgãos tocavam, cantava em seu coração tão-só para o Senhor”. Aceita-se que suas relíquias, originariamente guardadas nas catacumbas de São Calisto, ao lado da Cripta dos Papas, tenham sido transferidas pelo papa Pascoal I (817-824) para a basílica do Trastévere, a ela dedicada.
Do livro: ‘Os Santos e os Beatos da Igreja do Ocidente e do Oriente’, Paulinas Editora.
As duas Cecílias
Pelo Pe. Iolando Azzi S.D.B.
Quem, aos dias de hoje, por turismo ou devoção, parte de Roma pela porta de São Sebastião e se encaminha pela Via Ápia Antica, ao chegar à altura do quilômetro três, depara à esquerda com um grandioso monumento: uma imponente torre cilíndrica de vinte metros de diâmetro, bem conservada apesar dos seus vinte séculos de existência. É uma tumba de Cecília Metella. A solene inscrição que se divisa ao longe recorda que a nobre matrona romana ali sepultada foi Cecília, filha de Quinto Metello Crético e esposa de Crasso, filho do triúnviro e general de Céssar na Gália. Um monumento, portanto, da era de Augusto.
Na antiga Roma imperial, os mortos não podiam ser sepultados dentro dos muros que limitavam o perímetro urbano da cidade. Por isso os romanos adquiriam terrenos ao longo das grandes vias que partiam da Cidade Eterna e ali faziam construir os túmulos de suas famílias.
Os séculos fizeram desaparecer a maior parte desses grandiosos monumentos funerários que ornavam as alas das vias imperiais nas proximidades de Roma. A tumba de Cecília Metella é um dos poucos que resistiu aos tempos e que ainda se pode contemplar.
Mas a Via Ápia esconde ainda a memória de outra Cecília. Esconde: é o termo adequado, pois é necessário para encontrá-la baixar as catacumbas de São Calisto, que se situam à direita, cerca de um quilômetro antes. São as mais célebres de Roma, pois aí foram sepultados quase todos os Papas do século III: Zeferino, Cornélio, Fabiano, Eutiquiano, Lúcio…
Ao lado dessa famosa cripta papal, descoberta por De Rossi no século passado, acha-se a capela de Santa Cecília. Nesse local a santa venerada deste tempos mui remotos, conforme atesta um afresco da santa que os arqueólogos dataram do século VII.
É provável que este terreno fosse primitivamente propriedade da família dos Cecílios ou Cecilianos, pois De Rossi recolheu nessa cripta diversas lápides, marmóreas com inscrições datadas do século II ao século V. Assim a inscrição de “Sétimius Praetextatus Caecilianus” e sua esposa “Pompéia Attica” do século IV. Pode-se concluir com probabilidade que a cripta de Santa Cecília era a capela funerária dos Cecílios. Pelos adornos e símbolos de suas lápides sepulcrais, observa-se que os Cecílios eram pagãos inicialmente, e que depois se converteram ao cristianismo. Estes, verossimilmente, ao se converterem, colocaram à disposição da Igreja aquele campo funerário para a sepultura de seus irmãos na fé. Tal conjectura tem algum fundamento, pois não seria um fato único na história da Igreja antiga. Com efeito, já desde a segunda metade do século I alguns membros da família imperial dos Flávios, ao se converteram ao cristianismo (Flávio Clemente, Flávia Domitila), haviam cedido seus terrenos para a sepultura dos cristãos: é a catacumba de Domitila que se encontra a pouca distância , na Via Ardeatina, e cuja parte mais importante é justamente o hipogeu dos Flávios. O mesmo se diga das catacumbas de Priscila na Via Nomentana, pertencente provavelmente à nobre família dos Acílios (Acílio Glábrio, ex-cônsul romano, é um dos mártires da perseguição de Domiciano).
A Via Appia, pois, conserva duas importantes memórias dos antigos Cecílios: a tumba de Cecília Metella e a cripta de Santa Cecília.
Duas Cecílias: a primeira, nobre matrona romana do século I, a segunda nobre jovem cristã do século III, provavelmente.
A tumba de Cecília Metella, em sua imponente majestade, é hoje um corpo sem alma, pois o nome da nobre matrona nada mais significa aos nossos contemporâneos. A cripta de Santa Cecília, ao contrário, apresenta-se ainda hoje como um dos santuários de grande veneração em Roma, pois ali acorrem diariamente numerosos peregrinos de Roma e do mundo para venerar a grande santa, consagrada pela Igreja como padroeira da música.
Santa Cecília na tradição cristã e na liturgia
Entre as santas mais antigas e mais veneradas pela tradição popular Santa Cecília ocupa um lugar de primária importância.
Sua biografia, baseada nos dados de uma Paixão (ou seja, descrição do martírio) escrita no século VI, é uma das mais conhecidas e divulgadas.
Os dados principais dessa Paixão são os seguintes: Cecília é apresentada como uma jovem romana de família nobre, que é prometida, sem que seus pais soubessem, e tinha consagrada a Deus sua virgindade. No dia de núpcias, enquanto a música ressoava no salão de festas, ela entoava em seu coração um hino à virtude da castidade.
Na primeira noite do matrimônio declara ao seu jovem esposo que não ouse tocar o seu corpo com amor impuro, pois que ela tem ao seu lado um anjo encarregado por Deus para defender sua virtude.
Valeriano exprime desejos de poder também ele ver o anjo. Cecília apresenta-lhe como condição essencial a recepção do batismo. O esposo manifesta-lhe suas boas disposições e ela o envia ao bispo Urbano que se encontra refugiado na Via Ápia.
O nobre romano recebe as primeiras instruções na religião cristã e é batizado por Urbano. Ao regressar para casa, fica deslumbrado diante da visão celeste do anjo de Cecília.
O exemplo de Valeriano, é imitado posteriormente por seu irmão Tibúrcio. Ambos, juntamente com Máximo, convertido por eles, são martirizados em Roma sob o governo do prefeito Túrcio Almáquio.
Pouco depois também Cecília é citada ao tribunal de Almáquio, por ser cristã. A jovem e condenada à morte por asfixia no “calidarium” de sua própria casa. Não obtendo esta pena o efeito desejado, Almáquio ordena que a virgem seja decapitada ali mesmo. O algoz treme ao dar-lhe os golpes fatais e a deixa semi- viva. Sua agonia prolonga-se por três dias. Nesse tempo Cecília confirma seus familiares na fé cristã e faz doação de seus bens à Igreja.
O Papa Urbano mandou sepultar seu corpo virginal ao lado dos outros bispos, seus colegas. A casa do martírio foi transformada em igreja.
Tais são, em resumo, os dados da Paixão. Escrita num século em que reinava no Ocidente grande entusiasmo pela vida religiosa, reflete claramente a intenção do autor de compor uma prática exortação de renúncia aos prazeres do mundo e de consagração total a Deus.
A Igreja aproveitou-se largamente dessas notícias biográficas ao compor o Ofício litúrgico de Santa Cecília, cuja festa se celebra no dia 22 de novembro: é um dos ofícios mais antigos e mais belos do Breviário Romano. As lições do segundo noturno apresentam um resumo da vida da santa extraída da Paixão. As antífonas e os responsórios evocam frases e episódios dessa mesma fonte lendário. Desta forma o Ofício litúrgico do dia 22 de novembro constitui uma das mais belas e ricas apologias da virgindade cristã.
Santa Cecília na arqueologia e na história
Infelizmente a crítica histórica moderna, com seus notáveis recursos de pesquisas, nos leva a por em dúvida a autencidade dos dados da Paixão.
O martírio de Cecília coloca-se, segundo a Paixão, no século III ou inícios do século IV, na perseguição de Diocleciano. Ora, o culto dos mártires organizou-se em Roma pelos fins do século III. Todavia o nome de Cecília não aparece entre os mártires romanos. A “Depositio martyrum”, redigida por volta de 354 também não traz o nome da santa. No fim do século IV, o Papa Dâmaso ocupa-se grandemente do culto dos mártires: faz restaurar duas tumbas e prepara-lhes inscrições sepulcrais. É nesses versos que encontramos notícias do martírio de Inês, Lourenço, Tarcício e outros célebres mártires. Todavia o fato estranho – nenhuma alusão sequer à “virgem e mártir” Cecília.
Também Ambrósio e Prudêncio cantaram os louvores dos mártires dos primeiros séculos, mas não se encontra neles uma referência sequer que possa elucidar o enigma do culto a Santa Cecília.
A primeira referência a esse nome encontra-se apenas em 499, quando o Papa Símaco reuniu um sínodo em Roma com a participação do clero das diversas igrejas ou paróquias (títulos) de Roma. Entre as assinaturas encontramos dois padres, Marciano e Bonifácio, que acrescentam ao próprio nome o título de Cecília. O primeiro se subscreve apenas “presbyter tituli Caeciliae” ao passo que o segundo, ao menos conforme certas edições do concílio, ter-se-ia firmado “presbyter tituli sanctae Caeciliae”.
É portanto só no fim do século V que encontramos a primeira referência a Santa Cecília. No século seguinte, com a publicação da Paixão, seu nome começa a ser celebrado pela devoção popular e pela liturgia.
Note-se, porém, que essa biografia aparece apenas cerca de trezentos anos após a morte de Cecília, sem que antes se encontrasse a mínima referência à sua vida e martírio. Como explicar esse fato? Imagine-se que só agora, no século XX, surgisse uma biografia de Galileu ou Descartes, sem que antes nada se soubesse a respeito deles nos séculos XVIII e XIX. Só mesmo documentos de uma autenticidade comprovada nos poderiam induzir a admitir a veracidade dessas biografias. Mas, são justamente esses documentos que faltam à vida de Santa Cecília! (…)
Um monumento à virgindade cristã
A Paixão de Santa Cecília nasceu nos primórdios do século VI, em que reinava no Ocidente grande amor pela vida monacal. Este entusiasmo crescente tivera origem em grande parte na enorme difusão da vida de Santo Antão eremita, escrita por Santo Atanásio. Esta biografia, muito divulgada no Ocidente, foi um dos estímulos para a conversão de Santo Agostinho. A regra de São Bento, escrita nos inícios do século VI, tornou-se o fundamento da vida monacal na Europa, como já o era no Oriente a Regra de São Basílio. Foi nessa época e nesse clima que o autor da Paixão de Santa Cecília criou esse seu romance cristão, tão apreciado. Poderíamos bem compará-lo com êxito do romance “Fabíola”, escrito pelo Cardeal Wiseman no século passado, exatamente quando as notáveis descobertas arqueológicas de João Batista De Rossi despertavam o interesse do mundo inteiro.
Cecília suscitava no século VI o interesse e o entusiasmo pelo martírio e pela virgindade cristã, como Fabíola o suscitou no século passado e continua a suscitar ainda hoje.
Em quase todas as nações modernas se erige hoje o monumento ao Soldado desconhecido. É um preito de gratidão e reconhecimento a tantas vidas nobres e generosas que se imolaram nos campos de batalha pela defesa da honra e integridade da nação. Aí são cultuados tantos heróis anônimos e desconhecidos. Aí vem depor suas flores e sua homenagem todos os cidadãos agradecidos.
O monumento ao Soldado desconhecido é o altar da Pátria, onde se cultuam seus mártires e heróis. A festa litúrgica de Santa Cecília também é um grande monumento à Virgindade cristã, ao Martírio cristão dos primeiros séculos. No nome de Santa Cecília a Igreja pretende hoje venerar centenas de virgens e mártires que imolaram sua vida como testemunho de fidelidade a Deus e à Igreja.
Santa Cecília simboliza, portanto, milhares de almas virgens que renunciaram aos prazeres e gozos do mundo para se consagrarem para sempre ao Esposo Imaculado. Ela nos lembra de milhares de mártires que selaram com o seu sangue e com a sua vida esta consagração definitiva. No seu culto a Igreja rende homenagem ao Martírio e à Virgindade cristã.
A festa de Santa Cecília é, pois, a festa dos heróis anônimos do cristianismo – virgens e mártires – e como tal conserva ainda hoje seu profundo significado e sua beleza sem igual.
Fotos: santiebeati.it
(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XX, p. 186 à 200)
Santa Cecília, nobre, esposa, virgem e mártir. Uma donzela frágil que a fortaleza de sua Fé fez abalar os poderosos do Império Romano e cujo sangue, foi verdadeiramente, ” semente de novos cristãos”.
Santa Cecília, Virgem e Mártir
Almáquio é um prefeito poderoso da Roma antiga. Mas, ele está inseguro, tem dúvidas…
– Como executar essa jovem cristã? Ela não pode morrer pela espada… Seria perigoso. Será que…
De repente, bruscamente, o prefeito ordena que a jovem seja levada até o palácio imperial. Ele decidiu:
– Cecilia será morta no calidário. Ela será colocada numa sala asfixiante, totalmente fechada, abafada com vapores quentes e pestilentos.
Cecília foi deixada lá, sozinha. Em seu rosto, porém, não se via marcas de abatimento e tristeza. Parecia ter a alma cheia de alegria. Pedia, continuamente, que Deus a levasse logo para o Céu. A tal ponto Cecília tinha seu pensamento posto em Deus que nem percebeu que seu suplício já tinha sido iniciado.
Ela foi castigada no calidário ao longo de um dia e uma noite. Tudo isso foi inútil. Quando os carrascos abriram a câmara de tortura com a certeza de poderem retirar de seu interior o cadáver de Cecília, encontraram-na ajoelhada, sorridente e circundada de ar puro e fresco. Cheios de temor, apavorados, eles correram até Almáquio para contar-lhe o que acontecera.
Ouvindo a narração dos algozes, o prefeito ficou hirto, petrificado. Tomado de ódio e furor insano, ordenou que um guarda decapitasse imediatamente a jovem, na mesma sala em que estava sendo torturada.
Cecília sorriu de alegria quando apareceu diante dela o novo carrasco. Ajoelhou-se e espontaneamente apresentou o pescoço a ele. Era uma audácia. Uma tão inesperada ousadia que o homem sentiu-se abalado e faltou-lhe coragem para executar a sentença. Para não parecer fraco, conteve seu medo e, desesperadamente, por três vezes, golpeou o pescoço da valente virgem cristã. Cecília caiu. Seus braços estavam cruzados sobre o peito. Sua cabeça, inexplicavelmente, continuava unida ao corpo.
A lei romana proibia insistir no suplício depois do terceiro golpe. Sem saber o que fazer, o carrasco jogou a espada no chão e fugiu apavorado. A multidão que aguardava os acontecimentos do lado de fora da sala de suplicio avançou porta adentro afim de venerar aquela que seria a mais nova mártir cristã.
Todos ficaram pasmos: Cecília ainda vivia! Estava caída sobre seu lado direito e seu pescoço apresentava um ferimento profundo de onde ainda corria sangue. As donzelas mais íntimas da Santa, com todo respeito, colheram em panos de linho branco o sangue escorrido. Outros cristãos apressaram-se para comunicar o fato ao Papa. Inúmeras dificuldades fizeram com que o Sumo Pontífice Urbano só pudesse chegar ali depois de três dias.
Continuando na mesma posição, Cecília aproveitava o tempo de vida que tinha para anunciar e testemunhar a verdade do Evangelho para os que dela se aproximavam. Vários pagãos foram tocados pela graça e se converteram.
Finalmente o Papa Urbano chegou trazendo para a mártir os últimos confortos e os sacramentos da Igreja Católica. Não dá para descrever o fervor de Cecília ao receber a Unção dos enfermos e comungar pela última vez! Ela que amava tanto a Jesus e que a Ele entregara sua vida, contemplava e adorava o Salvador em seu coração. A determinado momento fez um sinal pedindo ao Pontífice que se aproximasse dela e disse-lhe:
– Santo Padre, peço poder manifestar minha última vontade: Desejo que minha casa se transforme em um templo do Deus verdadeiro…
Ela já não tinha mais forças para falar. Voltou-se, então, para os que lá estavam e mostrou-lhes o polegar de uma mão e três dedos da outra. Foi o último gesto de sua vida. Com ele Cecília confessava publicamente sua Fé: Deus é Uno e Trino. Creio na Unidade e Trindade de Deus. Ainda tentou envolver-se com suas vestes, estendeu os braços junto ao corpo, inclinou a cabeça e expirou. O corpo de Cecília foi piedosamente depositado em um caixão e conduzido até a catacumba de São Calixto. O próprio Pontífice Urbano colocou o esquife junto ao túmulo dos Papas e fechou-o com uma pedra de mármore. Era o ano 232.
Afinal, quem era Cecília?
Uma virgem e mártir que tem sua festa celebrada pela Igreja no dia 22 de novembro e que nasceu no início do século III. Seus pais eram cristãos e pertenciam a uma das mais gloriosas e ilustres famílias da Romanas.
Ainda criança ela foi entregue a uma dama de companhia que também era cristã. Esse foi, certamente, um ato inspirado por Deus. Foi essa boa aia quem esforçou-se ao máximo para que a menina conhecesse e amasse Nosso Senhor Jesus Cristo e pudesse assim caminhar no amor e prática das virtudes cristãs.
Cecília sempre mostrou boa educação e boa formação nas coisas do mundo. Mais que isso, graças à educação que a aia lhe deu, a vida de Cecília tornou-se exemplo da formação cristã que se deve dar a uma pessoa.
Bem cedo Cecília cultivou o gosto pela contemplação das belezas naturais criadas por Deus e colocadas pelo Criador à disposição dos homens. Na contemplação do belo das criaturas, ela encontrou um modo de conhecer Deus. Maravilhada, a menina exclamava:
– Oh! Quão grande e bom é o Senhor! Quero amá-lo sempre. Quero amá-lo, muito!…
A aia de Cecília conhecia as Sagradas Escrituras e lhe contava fatos da História Sagrada. O que mais agradava Cecília eram os trechos sobre a vida de Jesus. A descrição dos padecimentos de Nosso Senhor em sua Paixão, sua morte na Cruz, levavam a atenta ouvinte a apiedar-se do Divino Salvador. Seu coração enchia-se de amor para com Ele e em seu espírito crescia a intenção de não ofender a Deus e consagrar a Ele toda sua vida.
A aia ensinou-lhe a amar o próximo por amor de Deus. Por isso em sua alma floresceu um grande amor aos pobres. Neles ela via a imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo sofredor, pobre e necessitado. Ela abrandava os sofrimentos e acalmava as dores dos servos, escravos e mendigos. Junto com a ajuda material, ela lhes ensinava a prática da vida e da piedade cristãs. Assim transformou-se numa verdadeira apostola do Evangelho.
O encontro com Jesus
O amor a Jesus Sacramentado germinou e cresceu no coração de Cecília. O mundo com suas ilusões e fantasias não a atraia. Ela tinha um único desejo: unir-se a Jesus sacramentado!
Ela desafogava seu coração estando recolhida, longe dos atrativos mundanos. A oração era o modo que ela tinha de falar com Jesus. Orando ela exprimia seu desejo de recebê-Lo e fazer d’Ele seu alimento espiritual, sua força na caminhada. Jesus ouviu as preces de Cecília.
Ela assistia nas catacumbas de Roma os divinos mistérios. O Pontífice Urbano, tendo nas mãos o Pão Eucarístico, aproxima-se dela. Cecília ajoelha-se aos pés do Papa e recebe pela primeira vez a Santa Comunhão. Nessa hora, adorando Jesus em seu coração, a jovem renovou o propósito de consagrar-se ao serviço de Deus e tornar-se para sempre sua esposa. Cecília sempre teve o desejo de oferecer sua virgindade a Deus. Ocultamente ela procurou o Santo Pontífice e, depois de lhe contar que desde criança havia se consagrado a Jesus, suplicou-lhe que aceitasse seu voto de virgindade.
Sua pouca idade e o fato de ser filha única de nobres e ricos senhores, levou o Pontífice Urbano a dar-lhe, prudencialmente, uma resposta negativa. Cecília não se rendeu, conservando-se firme em seu desejo. Sua sinceridade levou o Pontífice a dar-lhe consentimento. Para evitar qualquer oposição por parte dos parentes, a cerimonia de recepção de seus votos não foi pública.
Orfandade, Sofrimento e Proteção Angélica
Para Cecília não faltaram dores, sofrimentos e cruzes. A morte dos pais foi uma de suas grandes dores. Sobretudo por causa das consequências que ausência deles lhes trouxe. Mas ela aceitou esses padecimentos com grande resignação.
Após a morte dos pais Cecília ficou sob a tutela de um parente que era pagão. Ele acreditava que lhe oferecendo distrações e divertimentos mundanos diminuiria o sofrimento da jovem. Mas, isso não agradava e nem trazia alegria a Cecília que amava a pureza, a solidão e a prece. Ela fugia dos insistentes convites que lhe eram feitos, pois, temia que as distrações da frívola juventude romana, muitas vezes pecaminosas, prejudicassem sua alma inocente.
Para que não caísse nas ciladas aprontadas por seu tutor e para ter forças na luta contra o demônio que a tentava, ela fazia jejuns e penitências e trazia sempre sobre seu peito os Santos Evangelhos.
Mesmo com o perigo de ser presa, frequentava as catacumbas e lá encontrava paz. Muitas vezes, em companhia da aia, nelas passava a noite inteira, assistia ao serviço divino e rezava fervorosamente a Maria, Rainha das Virgens, a quem pedia o amor de Jesus, único Senhor de seu coração. Cecília foi favorecida por Deus com a presença de um Anjo que a defendia dos perigos e que frequentemente aparecia e lhe orientava.
Valeriano
Cecília foi obrigada a estar em uma das festas realizadas por seu tutor. Ali estava Valeriano, um dos mais nobres e elegantes jovens de Roma, cuja família se vangloriava de ter antiga ligação com a família da jovem. A beleza, a modéstia, bem como a postura e pureza de Cecília não passaram desapercebidas por ele.
Valeriano, que não conhecia o segredo da modéstia cristã da virgem que se havia prometido como esposa a seu Deus, encantou-se com Cecília. Apaixonou-se por ela e quis, o quanto antes, tê-la como sua esposa.
Cecília disse não a Valeriano: desejava somente ser esposa de Cristo! Foi por prudencia que, junto com a negativa do casamento, ela não se declarou cristã. Essa declaração poderia custar-lhe a vida. Ocultamente, Cecília procurou Santo Pontífice e narrou-lhe o que estava acontecendo e reafirmou que preferia a morte a faltar o juramento de amor que havia feito a Jesus. Urbano, procurou consolá-la dizendo-lhe:
– Tem confiança, minha filha, se teu celeste Esposo te quiser em seu serviço, ninguém vai tirar-te d’Ele. As orações desta noite serão para que o Senhor nos ilumine. Fica em paz. Deixemos as decisões para depois da celebração dos divinos mistérios. Terminados os ritos sagrados, todos os fiéis deixaram as catacumbas. Só Cecília ficou lá. Urbano chamou-a e, com afeto paternal, disse:
– Filha, sê forte e perseverante. Se fores obrigada pelas circunstancias a unir-se a Valeriano, inclina a cabeça e adora os desígnios insondáveis da Divina Providência. Deus terá sobre ti outro desígnio: a conversão de Valeriano a nossa santa religião. Para a proteção de tua virgindade, confia Naquele que, por amor desta virtude, quis nascer de uma Mãe Virgem. A Ele nada é impossível. Vai em paz, confia em Sua bondade e sê prudente.
O consentimento
Passaram-se alguns dias e Cecília não conseguiu fugir de uma nova conversa com seu tutor sobre o pedido de Valeriano. No início da conversa, Cecília demonstrou uma recusa total ao casamento. Os parentes não desistiram de seus propósitos e começaram com as ameaças. Foi então que Cecília, lembrou-se dos conselhos do Pontífice Urbano e aceitou casar-se.
Sabendo disso, Valeriano foi imediatamente ao palácio para ter pessoalmente a confirmação e poder combinar o dia da cerimônia. Nos meses que precederam a celebração do matrimônio, Cecília conservou-se, quase sempre, retirada. Saía só para ir nos bairros populares para socorrer os pobres, seus mais queridos amigos. Passava noites inteiras em oração e penitência. Pedia a proteção e a graça que lhe eram necessárias e que estava certa de alcançar, pois já havia começado a ter uma grande paz de alma com a presença constante de seu Anjo da Guarda.
As bodas
Chegou, afinal, o dia em que os dois jovens se uniriam em matrimonio. O palácio onde morava a jovem católica era um formigar de escravos e donzelas, um fervilhar de ricos e nobres, de amigos e parentes, que iam prestar homenagens e oferecer tributos à presumida felicidade de Cecília.
A alma da virgem estava longe dessas manifestações. Ela quase não percebia o que se passava em redor de si. Realizaram-se as cerimônias matrimoniais segundo o ritual da época. O passo estava dado. A virgem de Cristo tornara-se também esposa de Valeriano. Terminada a cerimônia, Cecília foi conduzida à sala do banquete. Foi recebida com clamorosos aplausos e cânticos. Cecília, porém, elevava a alma a Deus e repetia em seu coração:
– “Senhor, que sejam sempre imaculados meu corpo e meu coração; protege tua serva para que não seja confundida”.
Esposa Apóstolo
Terminado o suntuoso banquete, Cecília foi levada por algumas matronas à câmara nupcial. Ali ela deveria esperar Valeriano para a noite de núpcias. Apenas ele entrou no quarto correu para abraçá-la exclamando:
– Oh! dia feliz…. Cecília recuou um passo e disse:
– Não me toques, Valeriano. O jovem ficou atônito e despeitado com a repulsa.
– Não te ofendas, meu querido, mas escuta-me, pois que tenho a dizer-te um segredo…
– Não temas, Cecília, qualquer que seja ele, jamais ente humano o saberá.
– Para satisfazer meus parentes, fui obrigada a unir-me a ti. Serei a companheira mais fiel e amorosa de tua vida, mas teremos de viver como se fôssemos irmãos. E a razão é que, desde ainda criança consagrei meu corpo a alguém que não é deste mundo. Alguém que sempre me amou, e, para confirmar disso, mandou um Anjo para me guardar. Ora, se o Anjo vir que não me respeitas, ficará irado e vingar-se-á tremendamente.
Ouvindo estas palavras, Valeriano, agitado de violentas paixões, exclamou:
– Oh! Cecília, traíste-me. Não me amas e a outro estás ligada!
– Não querido, não me entendeste. Não te perturbes. Escuta e compreenderás. Amo-te e muito, com um amor que não acaba com morte. Um amor que durará e será mais sublime ainda na eternidade. Consagrei-me a alguém que não é um simples mortal. Consagrei-me a Deus que permitirá que eu viva sempre contigo nas condições que já te disse.
– Cecília, disse Valeriano, devo acreditar no que me contas? Se isso é verdade, por que esperastes este momento para dizer-me?
– Perdoa, Valeriano, se eu tivesse revelado meu segredo, nem tu nem meus parentes o acreditariam e considerando-me louca me teriam declarado a mais cruel das guerras.
– Mas qual é este Deus a quem te consagraste e que agora não quer legitimar nossa união? Se é um Deus verdadeiro, como rouba nossa felicidade?
– Deus não necessita de nós. Ele é infinitamente bem-aventurado e, se olha a nossa pequenez, é unicamente para o nosso bem, porque Ele nos ama. Ele nos criou, conserva-nos a vida e será, um dia, nosso Juiz. Este é o Deus dos cristãos.
– Deus dos cristãos? Você é cristã? Cristãos… esses seres desprezíveis, odiados por todos e contra os quais se tem desencadeado a ira de nossos Imperadores e do povo romano?
– De fato, são muitos os nossos inimigos… eles são pobres ignorantes e infelizes. Acredita, Valeriano, tudo quanto dizem a respeito dos cristãos é calunia!
– Nós, cristãos, não adoramos os falsos deuses. Deuses que só servem para enganar. Nós desprezamos todos os bens perecíveis, aspiramos ao Céu e nos entregamos à prática das mais altas virtudes.
Dito isso, ajoelhou e com os olhos levantados para o Céu exclamou:
– Ó Senhor! Até quando durará o reino do espírito do mal? Até quando os homens caminharão entre as trevas do erro, na mentira e na falsidade? – Dizendo essas palavras, seu rosto transfigurou-se. Uma luz sobrenatural a envolveu e sua alma imergiu-se em Deus. Valeriano, quase apavorado, ficou mudo contemplando o êxtase de sua esposa. Sua mente iluminada de dons sobrenaturais, começava a se abrir à verdade e quando Cecília recobrou os sentidos, viu junto a si o esposo, com os olhos cheios de lágrimas.
Olharam-se e os olhos da Santa leram o fundo do coração de Valeriano. Uma voz interior lhe assegurava que o esposo havia se convertido. Valeriano, envergonhado com o que havia pensado de sua esposa disse:
– Deus de Cecília, eu creio em ti, mas faze com que eu possa ver, ao menos um instante, o Anjo que mandaste para junto de tua e minha esposa. – Ouvindo estas palavras, Cecília exclamou:
– Ó Senhor, meu amado! Sê para sempre louvado e eternamente glorificado por teus Anjos! Donde me vem tantas graças? Sê bem vindo em tua serva que humildemente adora os desígnios misteriosos de tua providência! E voltando-se para Valeriano, disse:
– Agora, não percamos tempo. Verás meu Anjo, sim! Antes, porém, deves tornar-te digno disso pelo Batismo. Vai e procura na Via Ápia a aldeia de Triopio. Lá encontrarás alguns pobres. Diga a eles que vais em meu nome e que procuras pelo Pontífice Urbano. Serás, então, conduzido até Papa que te acolherá com grande afabilidade e te ensinará as verdades de nossa fé. Depois, volta e verás o Anjo de Deus que me acompanha.
Com um manto, Valeriano, cobriu as vestes nupciais que ainda usava e encaminhou-se para o lugar indicado. Enquanto podia vê-lo, Cecília acompanhou-o com o olhar. Depois retirou-se, continuando suas preces que deveriam levar seu jovem esposo à conversão.
Batismo nas Catacumbas
Chegando à aldeia de Triopio, Valeriano encontrou-se com os pobres indicados por Cecília. Eles o conduziram pelo labirinto das catacumbas até chegar ao lugar onde estava o santo Pontífice Urbano, que vivia escondido no Cemitério de São Calixto, junto aos sepulcros dos mártires, depois de escapar da perseguição movida contra ele por causa de sua fé católica. Valeriano foi recebido por Urbano que, juntando as mãos, assim rezou:
– Senhor, meu Jesus Cristo, tu que inspiras as castas resoluções, recebe agora o fruto da semente divina plantada no coração de Cecília!
Por ela, seu esposo Valeriano tornou-se teu servo e abriu os olhos à verdade divina. Agora, ele te reconhece por seu Criador e renuncia, para sempre, o demônio, suas pompas e suas obras. Ele tem firme propósito de Vos adorar e Vos servir por toda a vida. Está pronto a defender com o próprio sangue a Fé que professa. Depois de assim rezar, começou a instruir o jovem catecúmeno sobre os principais mistérios da Fé: a Unidade e Trindade de Deus, a Encarnação, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Enquanto Urbano falava dos augustos mistérios, subitamente, apareceu uma luz brilhante junto deles. No meio dela estava a figura de um respeitável ancião que trazia nas mãos um livro escrito com letras de ouro. Era o Apóstolo São Paulo que dizia a Valeriano:
– Lê e crê. Só então merecerás ser purificado nas águas do batismo e, então, contemplar o Anjo de que te falou Cecília. – Valeriano leu:
– Um só Senhor, uma só fé, um só Deus, Pai de todos, superior a todos, que está em todas as coisas, especialmente em todos nós.
– Crês em tudo isto? Perguntou o Apóstolo.
– Sim, creio! , Responde Valeriano.
Após essa profissão de fé, Paulo desapareceu. Urbano tomou a água e derramando-a sobre a cabeça do neófito, dizendo:
– Valeriano, eu te batizo, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Vestindo-o depois com uma túnica branca, despediu-se dizendo:
– Vai e mostra-te a Cecília, que completará a obra por Deus reservada para ti.
A Promessa do Anjo
Valeriano partiu com a alma serena e a paz no coração. Chegando em casa, encontrou Cecília de joelhos, em oração.
Junto dela estava o Anjo do Senhor. Tinha nas mãos duas coroas de rosas e lírios. O Anjo que guardava a virgem colocou as sobre as cabeças dos esposos e lhes disse:
– Conservai essas coroas com a pureza de vossos corações e santidade de vossos corpos. Tu, Valeriano, por teres compreendido as puras aspirações de Cecília, serás ouvido, qualquer que seja a graça que pedires a Deus.
– Oh! Anjo bendito, um só será meu pedido: suplicar a Cristo que salve também meu irmão e nos torne ambos perfeitos cristãos e que confessemos seu Santo nome.
– Não só teu irmão vai converter-se, como também ambos, junto com Cecília, serão martirizados e acolhidos no Céu.
Livres da escravidão dos sentidos, Cecília e Valeriano inflamaram-se no amor de Deus. O vínculo que os ligava era fonte de entusiasmo para muitos de sua estirpe. Tibúrcio, fruto do apostolado de Cecília floresceu e tornou-se exemplo de vida para os seus companheiros de corte. Tais exemplos ainda gerariam muitos outros filhos para a Igreja Católica nascente. Muitas almas ainda foram por isso atraídas para Jesus Cristo.
Tal testemunho de Fé e apostolado não poderia deixar de ser notado pelo ódio dos pagãos que se encontravam petrificados no mal. Sobre Cecília, Valério e Tibúrcio, logo caíram o ódio e a perseguição dos pagãos. Foram terríveis. Confirmaram, porém, o que já lhes tinha sido predito: os três receberiam a palma do martírio e logo voariam para Deus.
Esta é a história de Cecília, nobre, esposa, virgem e mártir. Uma donzela frágil que a fortaleza de sua Fé fez abalar os poderosos do Império Romano e cujo sangue, foi verdadeiramente, “semente de novos cristãos”. (Adaptações do Livro Santa Cecília, Virgem e Mártir, Saverio M. Vanzo, S.S.P. – Mir Editora Brasil 2001,pp. 15 à 76)