SANTO DO DIA – 20 DE JANEIRO – SÃO SEBASTIÃO
Mártir (+288)
O santo que a Igreja comemora hoje é o mártir Sebastião, que, sendo soldado romano e muito chegado da corte imperial, converteu inúmeros colegas à fé cristã e deu um ousado e valente testemunho de fidelidade à Igreja ante o imperador Diocleciano.
O tirano, como nos conta a história, mandou que atassem o santo a uma coluna e o matassem a flechadas. Foram tantos os disparos que o corpo de Sebastião, coberto de arpões da cabeça aos pés, ficou parecido com um ouriço. Mas se enganou o imperador e agiu a Providência, “porque para os que dão a vida por Cristo”, escreve o Pe. Antônio Vieira em honra deste santo, “não há tormento que chegue a matar”.
Sebastião, com efeito, que não tivera medo de encobrir a fé, foi coberto de flechas e tido por morto; mas ali mesmo, onde parecia expirar envolto de sangue, triunfava envolto de glória, tanto pela fé que conservara como pela vida que por milagre não perdera. Salvo assim do primeiro martírio, Sebastião voltou à corte para o segundo, convocando os que o condenaram à morte a que abraçassem a única fé que dá vida.
Sentenciado outra vez, Sebastião foi finalmente martirizado por espancamento, deixando-nos um belíssimo exemplo de que por fidelidade a Cristo não devemos jamais encobrir nossa fé e, uma vez descobertos pelo ódio do mundo, hemos de perseverar nela até o fim, pois de nada nos vale estar vivos aos olhos dos homens e mortos aos de Deus.
Que S. Sebastião, descoberto defensor da fé e intrépido soldado de Cristo, olhe por nós do alto do céu e nos alcance a graça de merecermos como ele a mesma bem-aventurança, se não pelo de sangue, ao menos pelo martírio branco da nossa honra, do nosso nome ante o mundo.
Conheça mais sobre São Sebastião
Até 1969 associado, no calendário litúrgico, à memória de são Fabiano, é hoje comemorado separadamente. Esse famoso mártir romano deve sua notoriedade a uma Paixão escrita no século V pelo monge Arnóbio, o Moço, que contém relatos fantasiosos, mas que exerce grande influência nas pessoas piedosas.
Eis a narração: Sebastião, oficial do exército imperial e amigo do imperador Diocleciano, servira-se de sua posição para ajudar os cristãos perseguidos e fazer prosélitos até nas fileiras do exército.
Tanto zelo acabou por indispor contra ele o imperador, que o exprobou nestes termos: ‘Eu te abri as portas de meu palácio e te aplainei os caminhos para um futuro promissor, enquanto tu atentaste contra minha salvação…’. Condenado à pena capital, foi amarrado a uma árvore, transformado em alvo dos arqueiros e por fim morto a golpes de maça.
Em 367, o papa Dâmaso mandou construir uma igreja sobre sua sepultura, na via Ápia. O local, ainda hoje, é objeto de concorridas peregrinações.
O imperador Carino vivia ainda, quando dois irmãos gêmeos, Marcos e Marceliano, foram aprisionados em Roma. Um cristão, criado nos cargos militares, ia frequentemente visitá-los. Era Sebastião, nascido em Narbona, na Gália, mas criado em Milão, de onde era originária a família. A princípio, resolvera não encetar a carreira das armas; o desejo de servir os irmãos nas perseguições que sofriam levara a melhor contra o pendor. Aceitou, portanto, um posto, e fez-se amar dos soldados e de todos. Sob as vestes militares, dedicava-se incessantemente às boas obras do cristão, conservando todo o segredo possível. Por Jesus Cristo não tinha medo de perder nem a vida nem os bens; mas o segredo lhe proporcionava mais meios de animar os cristãos que sucumbiam sob a violência dos tormentos, e de garantir para Deus as almas que o demônio pretendia raptar.
Visitava todos os dias os dois irmãos Marcos e Marceliano, os quais padeceram com constância as vergastadas que os dilaceravam, e foram condenados a ter decepada a cabeça.
Os dois irmãos pertenciam a mais ilustre família de senadores. Com o pai e a mãe, velhos e ainda pagãos, tinham mulheres e filhos. A família, vendo-os condenados à morte, obteve do prefeito de Roma, chamado Cromácio, um prazo de trinta dias para experimentar fazê-los mudar de resolução. Foram os dois postos na casa do primeiro escrivão da prefeitura, Nicóstrato, onde os conservavam de mãos acorrentadas. O pai, a mãe, as mulheres e os filhos ainda pequeninos, além dos amigos, tudo envidaram para os convencer; já começava a alma deles a curvar-se diante de tantas lágrimas, quando Sebastião, chegando, os reanimou com palavras cheias de fogo, que a todos impressionaram.
O santo parecia envolto numa luz divina. Quando terminou de falar, Zoé, mulher de Nicóstrato, atirou-se-lhe aos pés, tentando dar-lhe a compreender, pelos gestos, o que dele desejava, pois havia seis anos que uma enfermidade lhe fizera perder a palavra. Sebastião fez o sinal da cruz sobre a boca da mulher, pedindo em voz alta a Jesus Cristo que se dignasse curá-la, se tudo quanto acabara de ouvir era verdade. O efeito seguiu-se à palavra, e Zoé pôs-se a louvar o santo e a declarar que acreditava no que ele acabava de dizer. Vira um anjo descido do céu, segurando um livro aberto diante dos olhos de Sebastião, no qual tudo quanto ele dissera estava escrito palavra por palavra. Nicóstrato, diante da cura da mulher, lançou-se igualmente aos pés do santo, pediu perdão por haver mantido os dois mártires aprisionados, tirou-lhes os grilhões e rogou-lhes que se fossem para onde mais lhes conviesse, declarando que se consideraria feliz por ser aprisionado e morto no lugar deles.
Marcos e Marceliano louvaram tão perfeita fé, mas nem sequer pensaram em abandonar a luta para a ela expor outro.
A graça não se deteve em Nicóstrato e sua mulher; espalhou-se sobre todos os presentes. Marcos e Marceliano firmaram-se na fé, e tiveram o consolo de ver os que tantos esforços tinham enviado para arrancá-los a Jesus Cristo tornar-se humildes discípulos. Marcos dirigiu-lhes palavras em que, dirigindo-se particularmente ao pai e à mãe, à mulher e à do irmão, os exortou a defender corajosamente a fé que pretendiam abraçar, e a não temer o que o demônio poderia fazer para impedi-lo; a desprezar, por uma ventura sem limites, uma vida que mil acidentes nos podem fazer perder, e que só acarreta aflições e crimes. Todos choraram, unindo o pesar da infidelidade passada às ações de graças que prestavam a Deus por os ter libertado. Nicóstrato afirmou que não beberia nem comeria, se não recebesse o santo batismo. Mas Sebastião, respondeu-lhe que, antes, devia mudar de dignidade, tornar-se oficial de Jesus Cristo, em vez de oficial do prefeito, e levar-lhe todos os presos que lhe tinham sido confiados, para que fossem catequizados. “Porque se o diabo, acrescentou, se esforça por raptar os que pertencem a Jesus Cristo, nós, pelo contrário, devemos esforçar-nos por restituir ao Criador aqueles que o inimigo injustamente usurpou”, e assegurou que se oferecesse tal presente a Jesus Cristo, logo no início da conversão, não tardaria em ser recompensados pelo martírio. Nicóstrato foi procurar o carcereiro, chamado Cláudio, para ordenar-lhe que lhe conduzisse todos os presos, sob o pretexto de que desejava tê-los prontos para a primeira sessão. Sebastião dirigiu-lhes uma exortação, após a qual, vendo que provavam a mudança de coração pelas lágrimas, mandou lhes fossem tiradas as correntes, indo então chamar um santo padre, de nome Policarpo, oculto em virtude da perseguição, para levá-lo à presença de Nicóstrato. Policarpo, depois de se congratular com os novos convertidos, e de lhes dizer que esperassem na misericórdia divina, prescreveu-lhes o jejum até o cair da noite.
Entretanto, Cláudio disse a Nicóstrato que o prefeito ficara descontente com o fato da presença de todos aqueles presos, e que dele exigia satisfações. Nicóstrato rumou para lá imediatamente, e satisfez o prefeito, afirmando-lhe que tudo fizera para ainda mais espantar os cristãos postos sob sua vigilância, mediante o exemplo do suplício dos outros. Tratava-se de uma mentira, mas desculpável em pessoa ainda pouco instruída. Voltando, contou a Cláudio, que o acompanhava, tudo quanto sucedera em sua casa, particularmente a cura da mulher. Cláudio comoveu-se e foi procurar duas crianças que tinha, uma das quais era hidrópica, sendo a outra afligida por diversos males. Colocou-as diante dos santos, dizendo que deles esperava a saúde daqueles pequeninos entes, e que, quanto a ele, acreditava de todo coração em Jesus Cristo. Os santos garantiram-lhe que as crianças e os demais presentes seriam curados dos males, apenas se tornassem cristãos. Ao mesmo tempo, registraram-se os nomes dos que exigiam o batismo. Eram Tranquilino, pai dos dois mártires, com seis dos seus amigos; em seguida Nicóstrato; Castor, seu irmão; Cláudio, o carcereiro com seus dois filhos; Márcia, mulher de Tranquilino, com as mulheres e os filhos de São Marcos e São Marceliano; Sinforosa, mulher de Cláudio; Zoé, mulher de Nicóstrato; e toda a família de Nicóstrato, num total de trinta e três pessoas; por fim, os presos convertidos, dezesseis, o que totalizava sessenta e oito criaturas.
Foram todos batizados por São Policarpo. Sebastião serviu de padrinho aos homens; Beatriz, depois mártir, e Lucina foram madrinhas das mulheres. Os dois filhos de Cláudio foram os primeiros batizados, e saíram tão são quanto os outros, não lhes restando o menor sinal de qualquer enfermidade. Depois deles, foi batizado Tranquilino. Havia onde anos que padecia de gota, e de tal maneira lhe doíam os pés e as mãos, que mal suportava que o carregassem. Nem sequer conseguia levar à mão à boca para comer; e sofreu tremendas dores, quando teve de despir-se para o batismo. São Policarpo perguntou-lhe se acreditava de todo coração que lhe Jesus Cristo, Filho único de Deus, seria capaz de perdoar-lhe todos os pecados, e o infeliz respondeu em voz alta que reconhecia ser Jesus Cristo filho de Deus, e poder devolver-lhe a saúde da alma e do corpo; mas pedia apenas a remissão dos pecados e, ainda que conservasse as dores após a santificação do batismo, não poderia duvidar da fé de Jesus Cristo. Aquelas palavras arrancaram lágrimas de alegria de todos os santos, os quais rogaram a Deus concedesse ao enfermo o efeito de tão pura fé. Policarpo, após ungi-lo com o crisma, perguntou-lhe pela segunda vez se acreditava no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Mal o enfermo respondeu que sim, curou-se-lhe a gora num momento, e ele exclamou: “Sois o Deus único e verdadeiro, que este mísero mundo não conhece”. Em seguida, foram batizados todos os outros, e durante os dez dias que sobravam dias trinta concedidos a Tranquiliano para os dois filhos, os novos cristãos somente se dedicaram a louvar a Deus e a se preparar para o combate, desejando todos ardentemente o martírio, inclusive as mulheres e as crianças.
Findos os trinta dias, o prefeito Cromácio mandou buscar Tranquiliano, que lhe agradeceu o adiamento, por haver conservado os filhos ao pai e devolvido o pai aos filhos. Cromácio, não compreendendo o significado de tais palavras, disse-lhes ser preciso que os filhos fossem oferecer incenso aos deuses. Tranquilino, então, explicando-se mais claramente, declarou-lhe ser cristão, e que por tal meio se via curado da gota que tanto o afligira antes. O fato comoveu Cromácio, que sofria da mesma enfermidade. Todavia, impelido sem dúvida pela presença dos assistentes, mandou deter Tranquilino, dizendo que o levassem na primeira sessão. Contudo, ordenou que o levassem secretamente à sua presença durante a noite, e prometeu-lhe bastante dinheiro para que lhe indicasse o remédio que o havia curado. Tranquilino riu-se do dinheiro prometido e assegurou que outro remédio não havia senão a crença em Jesus Cristo; se Cromácio quisesse socorrer a Cristo, receberia indubitavelmente o mesmo alívio. Deixou-o Cromácio partir, pedindo-lhe que trouxesse quem o fizera cristão, para que, tal homem lhe prometesse curá-lo, pudesse abraçar a mesma religião.
Tranquilino foi imediatamente ter com São Policarpo, e secretamente o conduziu ao prefeito, que lhe prometeu a metade dos seus bens, no caso de ser curado da gota. Respondeu-lhe Policarpo que aquela transação seria criminosa para um e para outro, mas que Jesus Cristo era capaz de lhe iluminar as trevas e curá-lo dos males, se nele acreditasse de todo o coração. Catequizou-o em seguida, e ordenou-lhe um jejum de três dias, de que ele se desincumbiu com Sebastião. No terceiro dia, voltaram juntos à presença de Cromácio, e valeram-se das dores causadas pela gota para lhe falar dos suplícios eternos. Cromácio deu imediatamente o seu nome e o de Tibúrcio, seu filho único, para se tornarem ambos cristãos.
Sebastião, contudo, aconselhou-o a não desejar o batismo pelo desejo de ser curado, e sim por uma questão verdadeira fé, e pediu-lhe que, como sinal de perfeita conversão, permitisse a quebra de todos os seus ídolos, assegurando-lhe que não deixaria de ser imediatamente curado. Cromácio quis que o ato fosse realizado por homens seus; mas o santo deu-lhe a ver que o diabo poderia prejudicar em virtude da infidelidade deles, e todos haveriam de dizer que se trataria de um castigo por terem abatido os ídolos. Por conseguinte, o próprio Sebastião para lá rumou acompanhado de Policarpo; e após orarem, quebraram os dois mais de duzentas estátuas.
No regresso, verificaram que Cromácio não estava curado. Disseram-lhe, então, que evidentemente restava alguma coisa por quebrar, ou que a sua fé não era ainda perfeita. Confessou-lhe Cromácio que tinha uma saleta repleta de aparelhos de cristal para a astrologia, a qual custara duzentas libras de ouro ao pai. Os santos deram-lhe a ver a inutilidade da astrologia e de todas as predições dela tiradas, e ele, por fim, concordou em que fizessem dos aparelhos o que mais lhes aprouvesse. Tibúrcio, filho de Cromácio, não se conformou com quererem despedaçar uma coleção tão preciosa e rara, não desejando, todavia, impedir a cura do pai, mandou acender dois fornos e garantiu que, se fosse despedaçada a saleta, sem que o pai se visse curado, mandaria a eles atirar Sebastião e Policarpo. Aceitaram os santos a condição, embora Cromácio se opusesse. Ao mesmo tempo em que despedaçavam os aparelhos, um jovem, aparecendo a Cromácio, disse-lhe ser enviado de Jesus Cristo para o curar. Curou-se na realidade, no mesmo instante, e pôs-se a correr atrás do jovem para lhe beijar os pés; mas o jovem se opôs, por não estar ainda Cromácio santificado pelo batismo. Cromácio lançou-se, então, aos pés de Sebastião, e Tibúrcio aos pés de Policarpo.
Sebastião mostrou-lhe que na dignidade na qual se encontrava, não podia deixar de comparecer aos espetáculos profanos, sem falar do julgamento dos processos, onde era difícil se não misturasse com coisas contrárias à profissão do cristianismo. E era diante do prefeito de Roma que se perseguiam os cristãos. Assim, houve por bem aconselhar-se a pedir um sucessor, para libertar-se de todas aquelas ocupações do mundo, e cuidar apenas da salvação da alma. Cromácio pés em prática o conselho, e no mesmo dia solicitou dos amigos que tinha na corte o obséquio de o assistirem para tanto.
Já próximo do batismo, perguntou-lhe Policarpo, entre outras coisas, se renunciava a todos os pecados. Respondeu ser um pouco tarde para tal pergunta, mas que preferia tornar a vestir-se e a adiar o batismo. Queria perdoar a todos os que lhe tinham dado motivos de cólera, esquecer o que lhe era devido, devolver tudo quanto tivesse tomado pela violência; tivera duas concubinas após a morte da mulher, e pretendia dar-lhes inteira liberdade e arranjar-lhes maridos. Policarpo aprovou-lhe o plano, e disse-lhe que era para a realização de tal renúncia que se prescreviam ordinariamente quarenta dias aos que pediam o batismo. Tibúrcio renunciou à barra da justiça, com a qual pretendia haver-se, depois de adquirir bastante erudição e eloqüência. Recebeu, então o batismo. Cromácio, depois de renunciar a todos os afazeres do mundo, recebeu-o poucos dias depois. Com ele, foram batizadas mil e quatrocentas pessoas de sua casa, às quais já dera, antes, a liberdade, dizendo que os que começavam a ter a Deus por pai não mais podiam ser escravos do homem.
Diocleciano, que passara a ser o único senhor do mundo com a morte de Carino, foi a Roma em 285. Não somente conservou Sebastião no posto, assim como os outros oficiais, como também se lhe afeiçoou, de tal sorte que lhe deu o cargo de capitão da primeira companhia dos guardas pretorianos, que pretendia deixar em Roma; e enquanto permaneceu na grande cidade, quis que o santo sempre lhe estivesse ao lado. Maximiano procedeu da mesma maneira.
Entretanto, sendo grande a perseguição contra os demais cristãos, Cromácio, a conselho do Papa, naquela época São Caio, chamou-o ao seu lado, ou melhor, chamou ao seu lado todos os que tinham sido convertidos havia pouco, e deles tão bem cuidou que não se viu obrigado a sacrificar nenhum. Sendo, todavia, difícil manter ocultada por mais tempo a sua mudança, pediu ao imperador licença para retirar-se à Campânia, onde possuía belas terras, fingindo estar desejoso de recobrar a saúde. Sabe-se, pela história, que os senadores eram obrigados a residir em Roma, a não ser que os dispensasse a idade ou um favor especial. Cromácio logrou obter a permissão, e ofereceu-se para conduzir em sua companhia rodos os cristãos que desejassem segui-lo. Nasceu então uma disputa entre Sebastião e Policarpo, para saber qual dos dois permaneceria na cidade ou acompanharia os novos fiéis à Campânia. Cada um deles pretendia ficar em Roma, para mais facilmente ir ao encontro do martírio. O Papa terminou a admirável disputa, achando que Policarpo, o qual tão dignamente exercia o sacerdócio e possuía a ciência de Deus, devia acompanhar os retirantes, a fim de animá-los e dar-lhes assistência.
Chegado o domingo, o Papa celebrou os santos mistérios na casa de Cromácio e disse aos presentes: “Nosso Senhor Jesus Cristo, conh4cedor da fraqueza humana, estabeleceu dois graus entre os que nele acreditam, os confessores e os mártires, para que os que se não julgam suficientemente fortes para suportar o peso do martírio, conservem a graça da confissão, e, deixando o principal louvor aos soldados de Cristo, os quais vão combater pelo seu nome, deles cuidem com afinco. Logo, os que quiserem irão com nossos filhos Cromácio e Tibúrcio; e os que quiserem ficarão comigo na cidade. A distância na terra não separa absolutamente os que a graça de Cristo une; e os nossos olhos não sentirão a vossa ausência, porque vos contemplaremos com o olhar do homem interior.”
Assim falou o Papa, e Tibúrcio bradou: “Conjuro-vos, ó Pai e Bispo dos bispos, não queirais que eu dê as costas aos perseguidores, pois a minha ventura e o meu desejo é morrer por Deus, mil vezes, se possível, contanto que obtenha a dignidade dessa vida que nenhum sucessor me arrebatará, e à qual nenhum tempo porá fim.” O santo Papa, chorando de alegria, pediu a Deus que todos os que com ele permanecessem obtivessem o triunfo do martírio.
Vemos aqui, como em São Cipriano, que eram postos no lugar dos confessores, não apenas os que confessavam a fé diante dos tribunais, senão também os que, para a não negar, se também, o título de bispo dos bispos dado ao Papa, como no mesmo São Cipriano e, antes dele, em Tertuliano. O Papa São Caio sucedera, em 15 de dezembro de 283, ao Papa Santo Eutiquiano, morto no dia 7 do mesmo mês, e que, por sua vez, sucedera a São Félix, martirizado no império de Aureliano, em 22 de dezembro de 274.
Ficou, portanto, Tibúrcio com o Papa, assim como Sebastião, Marceliano e Marcos, Tranquilino, pai deles; Nicóstrato, Zoé, sua mulher, e Castor, seu irmão; Cláudio e seu irmão Vitorino, com o filho Sinforiano, que se vira curado da hidropisia. Os demais retiraram-se com Cromácio. O Papa dez de Tranquilino sacerdote, e de seus filhos diáconos. Os outros foram ordenados, subdiáconos, exceto Sebastião que, servindo bastante aos fiéis sob as vestes de capitão, foi nomeado, dizem os atos, defensor da Igreja pelo Papa. Esse título assinalava, na época de São Gregório, aqueles que os Papas empregavam particularmente no auxílio e assistência dos pobres. Os santos que haviam permanecido em Roma, não conseguindo encontrar lugar seguro, retiraram-se com o Papa para o próprio palácio do imperador, para junto de um tal Cástulo, cristão com toda a família e adequadíssimo para os ocultar, uma vez que, vivendo no palácio onde era intendente dos banhos e das estufas, ninguém dele suspeitava.
Lá ficavam os santos, dia e noite atarefados com as lágrimas, os jejuns e a prece para de Deus obterem a perseverança e a graça do martírio. Realizavam também grande número de milagres com os cristãos que lhes iam implorar a assistência.
Tibúrcio, ao sair, certo dia, encontrou um jovem que, tendo caído de grande altura, de tal modo havia quebrado os membros que a única coisa de que se cuidava era sepultá-lo. Tibúrcio pediu aos pais debulhados em lágrimas que lhe permitissem dirigir-lhes algumas palavras, para Ver se o não curaria. Todos se afastaram. Tibúrcio proferiu sobre a vítima a oração dominical com o símbolo, e o jovem se viu imediatamente refeito, como se nada tivesse sofrido. Retirou-se, Tibúrcio, mas o pai e a mãe correram-lhe no encalço, detiveram-no, e disseram-lhe: ” Fazei dele vosso escravo e com ele vos daremos todos os nossos bens, pois era nosso filho único e, de morto que estava, vós o ressuscitastes.” Respondeu-lhes Tibúrcio: “Se fizerdes o que vos digo, considerar-me-ei muito bem pago pela cura.” Retrucaram os pais: “E se vós quiserdes ter também a nós por escravos, não nos operemos; pelo contrário, desejamos ser vossos escravos, se nos julgardes dignos”. Tibúrcio, pegando-os pela mão, conduziu-os a um lugar afastado da multidão, e ensinou-lhes a virtude do nome de Jesus Cristo. Ao vê-los firmes no temor de Deus, levou-os a Caio, e disse: “Venerável Papa e Pontífice da lei divina, eis aqueles que Cristo conquistou hoje, por meu intermédio; como novo arbusto, a minha fé produziu neles o primeiro fruto.” O Papa batizou o jovem e os pais. (…)
Um ladino, chamado Torquato, fingindo-se ainda cristão, embora tivesse renunciado à fé, uniu-se ao grupo do santo Papa Caio. Tibúrcio não suportava vê-lo arrumar o cabelo, comer constantemente, beber com excesso, brincar nas refeições, ter gestos e maneiras efeminados, exibir-se por demais livremente às mulheres, evitar jejuns e preces, e dormir enquanto os outros vigiavam e passavam a noite a entoar louvores a Deus. Repreendia-o severamente, e Torquato fingia entristecer-se. Contudo, através de ardis, arranjou maneira de fazê-lo prender com ele e levar à presença do prefeito Fabiano, onde, interrogado, respondeu que era cristão, que Tibúrcio era seu amo, e que faria tudo quando o visse fazer. Tibúrcio confundiu-o com viva eloqüência e desmascarou-lhe a trama perante o juiz.
Disse-lhe Fabiano: “Andareis melhor em cuidar da vossa salvação não desprezando as ordens dos príncipes. – Não posso garantir melhor a minha salvação, replicou Tibúrcio, que desprezando os vossos deuses e deusas, que confessando ser somente Jesus Cristo o meu Deus.” Disse-lhe ainda Fabiano: “Voltai para o seio de vossa família, sede o que vos manda ser a natureza, pois de nascimento tão nobre, caístes tão baixo que vos encontrais na conjectura de sofrer o suplício, a infâmia e a morte.”
Retrucou-lhe Tibúrcio: “Oh, que sábio, que maravilhoso juiz possuem os romanos! Porque me recuso a adorar a prostituída Vênus, o incestuoso Júpiter, o finório Mercúrio, e Saturno, assassino de seus filhos, desonro a minha raça e recebo a marca da infâmia! E porque adoro o único Deus verdadeiro, ameaçais-me com a morte pelos suplícios!”
Fabiano mandou imediatamente acender uma fogueira e ordenou-lhe que a ela atirasse incenso ou sobre ela caminhasse de pés descalços. Tibúrcio fez o sinal da cruz e caminhou sobre os carvões sem sofrer a menor dor; depois desafiou o juiz a colocar apenas a mão na água fervente, em nome de Júpiter. “Quem não sabe, disse o juiz confuso, que o vosso Cristo vos ensinou magia?
– Calai-vos, desgraçado, replicou Tibúrcio, não me façais a injúria de proferir diante de mim com furiosos lábios tão sagrado nome”.
Fabiano, encolerizado, o condenou imediatamente a perder a cabeça como blasfemo e culpado de haver proferido atrozes injúrias. Tibúrcio foi levado a um lugar da cidade, onde o executaram; mais tarde, Deus realizou no mesmo lugar grande número de milagres.
O pérfido Torquato fez ainda enforcar Cástulo, o anfitrião dos cristãos. O santo foi interrogado e torturado três vezes e, não deixando nunca de persistir nas suas convicções, atiraram-no a um fosso sobre o qual lançaram um monte de areia. Os dois irmãos, Marcos e Marceliano, foram detidos em seguida e amarrados a um poste, com os pés furados pro pregos. Passaram um dia e uma noite em tal suplício, e finalmente morreram, atravessados por lanças, por ordem do juiz. Foram sepultados a duas milhas de Roma, num cemitério que deles recebeu o nome.
Após haver Sebastião fortalecido tantos mártires contra o temos dos suplícios, e encorajado a combater heroicamente pela coroa da glória, deu finalmente a conhecer a todos o que ele próprio era. Dioclecino, a quem o prefeito narrou o sucedido, mandou-o chamar e censurou-o por se esquecer das obrigações que lhe devia. Respondeu o santo que, notando haver loucura em pedir favores e socorros a pedras, havia incessantemente adorado a Cristo e o Deus do céu, para a salvação do príncipe e de todo império. Tão sábia resposta não satisfez absolutamente Diocleciano, que entregou o santo às mãos dos arqueiros da Mauritânia, os quais, por ordem sua, o vararam de flechas.
Deixaram-no, depois, por morto no lugar. Mas Irene, viúva de São Cástulo, tendo acorrido para sepultá-lo, encontrou-o ainda com vida e levou-o para casa, no próprio palácio do imperador, onde em pouco tempo o santo recobrou a saúde. Exortavam-no os cristãos a que se retirasse. Mas, após invocar a Deus, colocou-se numa escadaria pela qual passava Diocleciano, e censurou-o pela injustiça com a qual os seus pontífices o levavam a perseguir os cristãos, acusando-os de inimigos do estado, eles que oravam continuamente pelo império e pela prosperidade dos exércitos.
Diocleciano surpreendeu-se bastante ao vê-lo, pois o julgava morto, segundo a ordem que dera. Disse-lhe o santo que Jesus Cristo lhe devolvera a vida, a fim de que protestasse diante de todo o povo ser extrema injustiça perseguir os servidores de Cristo. Diocleciano mandou imediatamente que o levassem ao hipódromo do palácio, onde o abaterem a bordoadas. De medo, porém, dizem os atos, de que os cristãos fizessem dele um mártir, lançaram-lhe de noite o corpo a uma cloaca. O santo apareceu a uma mulher chamada Lucina e mostrando-lhe o ponto em que estava o corpo, pediu-lhe o fosse enterrar nas catacumbas, na entrada da gruta dos apóstolos. Lucina executou religiosamente a ordem, e passou trinta dias ao pé do túmulo do santo. Isso se verificou, segundo parece, no ano de 228.
(Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume II, p. 46 à 62)