Fiducia supplicans é uma declaração em 45 pontos publicada hoje (18) em que o Dicastério para a Doutrina da Fé autoriza as bênçãos para uniões homossexuais ao mesmo tempo em que diz que não se pode definir como casamento aquilo que não é casamento nem legitimá-lo, mas que o cuidado pastoral é fundamental.
Por ACI Digital
O documento se define como uma “declaração sobre o significado pastoral das bênçãos”, e traz uma abordagem que permite a bênção de casais irregulares sem, na opinião do cardeal Victor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério, mudar a doutrina tradicional.
O diz ter sido foi concebido e elaborado em conjunto com especialistas, discutido no Congresso da Seção Doutrinária do Dicastério, sem nunca deixar de discuti-lo com o Papa, que depois examinou a versão final e a aprovou.
É também um documento que demonstra um novo ativismo do Dicastério, que nunca foi nunca tão presente com respostas e documentos, e nunca foi tão ativo na ideia de querer dar uma virada especialmente de tipo pastoral à aplicação da doutrina.
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Referindo-se também às recentes respostas aos Dubia, a Declaração diz “manter-se firme na doutrina tradicional da Igreja em relação ao casamento, não admitindo qualquer tipo de rito litúrgico ou bênçãos semelhantes a um rito litúrgico que possa criar confusão”. No entanto, procurando “oferecer uma contribuição específica e inovadora ao sentido pastoral das bênçãos, que nos permita ampliar e enriquecer a compreensão clássica estritamente ligada a uma perspectiva litúrgica”, com uma visão teológica que não se baseia nos Padres da Igreja ou na doutrina cristã, mas “na visão pastoral do Papa Francisco”.
Esta abordagem inovadora inclui também “a possibilidade de abençoar casais em situação irregular e uniões do mesmo sexo, sem validar oficialmente o seu estatuto ou alterar de forma alguma o ensinamento perene da Igreja sobre o matrimônio”.
O dicastério afirma ter levado em consideração “várias questões, tanto formais como informais, sobre a possibilidade de abençoar uniões do mesmo sexo e sobre a possibilidade de oferecer novos esclarecimentos, à luz da atitude paternal e pastoral do Papa Francisco”.
A referência é ao responsum ad dubium de 2021 que negou qualquer possibilidade de bênção às uniões homossexuais e que “despertou muitas reações diferentes”, porque alguns ressaltaram a “coerência com o ensinamento constante da Igreja”, enquanto outros “não concordavam com o resposta negativa à questão ou não a consideraram suficientemente clara na sua formulação e na fundamentação apresentada na Nota Explicativa anexa”.
O documento sublinha a importância de “atender a estes últimos”, voltando ao tema, partindo, no entanto, do pressuposto de evitar reconhecer como casamento algo que não o é e, portanto, “rituais e orações que possam criar confusão entre o que é é constitutivo do casamento” como união exclusiva, estável e indissolúvel entre homem e mulher e o que o contradiz, visão “fundada na perene doutrina católica do matrimônio”, mas também no Evangelho.
Por esta razão, continua o documento, “a Igreja tem o direito e o dever de evitar qualquer tipo de rito que possa contradizer esta crença ou levar a qualquer confusão”, e este é o sentido do responsum.
A resposta do Papa, escreve Fernández, “convida-nos a fazer um esforço para ampliar e enriquecer o risco das bênçãos”, um dos “sacramentais mais difundidos e em constante evolução”, e ter “como destinatários pessoas, objetos de culto e devoção, sagrados imagens, lugares de vida, de trabalho e de sofrimento, frutos da terra e do trabalho humano, e todas as realidades criadas que remetem ao Criador, que, com a sua beleza, o louvam e abençoam”.
O prefeito argentino do Dicastério para a Doutrina da Fé concede que, do ponto de vista litúrgico, “a bênção exige que o que é abençoado esteja em conformidade com a vontade de Deus expressa nos ensinamentos da Igreja” e, portanto, há a preocupação de que as bênçãos digam respeito a coisas que entram em conflito com o Evangelho.
Por isso, como o documento recorda o Responsum, «quando, com um rito litúrgico específico, se invoca uma bênção sobre algumas relações humanas, o que é abençoado deve poder corresponder aos planos de Deus inscritos na Criação e plenamente revelados por Cristo, o Senhor”, razão pela qual a Igreja “sempre considerou moralmente lícitas apenas as relações sexuais vividas no âmbito do matrimônio”, e não pode dar uma bênção quando esta “pode oferecer uma forma de legitimação moral a uma união que se presume ser matrimonial ou a uma prática sexual extraconjugal.”
Ao mesmo tempo, diz Fernández, as bênçãos não podem ser “reduzidas apenas a esse ponto de vista”, porque existe o perigo de que “um gesto pastoral, tão querido e difundido, esteja sujeito a demasiados pré-requisitos morais, os quais, com a pretensão de controle, poderia ofuscar a força incondicional do amor de Deus, na qual se baseia o gesto de bênção”.
O dicastério retoma a exortação do papa Francisco a não perder a caridade pastoral, haja visto as Sagradas Escrituras, onde em alguns casos “a bênção equivale, portanto, a louvar, a celebrar, a agradecer a Deus pela sua misericórdia e fidelidade, pelas maravilhas que criou e por tudo o que aconteceu por sua vontade.”
Esta visão “descendente” da bênção como dom encontra-se tanto no Antigo como no Novo Testamento, diz o documento, porque “mesmo em Jesus a bênção não é apenas ascendente, em referência ao Pai, mas também descendente, derramada sobre os outros como um gesto de graça, proteção e bondade”.
A bênção, continua o documento, “expressa o abraço misericordioso de Deus e a maternidade da Igreja que convida os fiéis a terem os mesmos sentimentos de Deus para com os seus irmãos”.
O documento propõe uma “compreensão teológico-pastoral das bênçãos”, porque “buscar a bênção na Igreja é admitir que a vida eclesial brota do ventre da misericórdia de Deus e ajuda a seguir em frente, a viver melhor, a responder à vontade do Senhor», e «as pessoas que vêm espontaneamente pedir uma bênção mostram com esse pedido a sua sincera abertura à transcendência, a confiança do seu coração que não depende apenas das próprias forças, da sua necessidade de Deus e do desejo de escapar medidas estreitas deste mundo fechado dentro dos seus limites”.
Devemos, portanto, valorizar esta piedade pastoral, e, dessa forma, “as bênçãos tornam-se assim um recurso pastoral a valorizar e não um risco ou um problema”, pois devem ser avaliadas como “atos de devoção” que encontram espaço fora da Eucaristia. E entre outras coisas, queixa-se o Dicastério, “a Igreja também deve evitar basear a sua prática pastoral na fixidez de alguns esquemas doutrinais ou disciplinares”, razão pela qual “quando as pessoas invocam uma bênção, não deve ser posta uma análise moral exaustiva como uma pré-condição por poder conferi-lo. Não devemos exigir deles perfeição moral prévia.”
O documento refere-se ao papa Francisco, que abriu formas de bênção “que não transmitem uma concepção errada do casamento”, e sublinha que “uma experiência forte é a de ler estes textos bíblicos de bênção numa prisão, ou numa comunidade de recuperação. Fazer com que aquelas pessoas sintam que permanecem bem-aventuradas, apesar dos seus graves erros, que o Pai celeste continua a querer o seu bem e a esperar que finalmente se abram ao bem”.
Além disso, o dicastério sublinha que as bênçãos do livro litúrgico De Benedictionibus – que dizem respeito a diversas categorias de pessoas, mas também a objetos, a casas – “são dirigidas a todos, ninguém pode ser excluído”.
“Do ponto de vista da dimensão ascendente, quando se toma consciência dos dons do Senhor e do seu amor incondicional, mesmo em situações de pecado, especialmente quando uma oração é ouvida, o coração do crente eleva a sua louvor a Deus e bênçãos. Essa forma de bênção não é vedada a ninguém”.
Naturalmente, «a prudência e a sabedoria pastoral podem sugerir que, evitando graves escândalos ou confusões entre os fiéis, o ministro ordenado se junte à oração daquelas pessoas que, mesmo numa união que de modo algum se compara ao casamento, desejam confiar-se ao Senhor e à sua misericórdia, invocar a sua ajuda, ser guiados para uma maior compreensão do seu desígnio de amor e de verdade».
É neste contexto que se chega a falar da bênção de casais em situação irregular ou de uniões do mesmo sexo. Nestes casos, diz o documento, «é concedida uma bênção que não só tem um valor ascendente, mas que é também a invocação de uma bênção descendente do próprio Deus sobre aqueles que, reconhecendo-se desamparados e necessitados da sua ajuda, não reivindicam a legitimação do seu próprio estatuto, mas imploram que tudo o que é verdadeiramente bom e humanamente válido, que está presente na sua vida e nas suas relações, seja investido, curado e elevado pela presença do Espírito Santo”.
São bênçãos que «expressam um apelo a Deus para que conceda aquelas ajudas que provêm dos impulsos do seu Espírito – que a teologia clássica chama de ‘graças atuais’ – para que as relações humanas possam amadurecer e crescer na fidelidade à mensagem do Evangelho, libertando-se das suas imperfeições e fragilidades, e exprimir-se na dimensão cada vez maior do amor divino”.
Em suma, é uma bênção que, «embora não incluída num rito litúrgico, une a oração de intercessão com a invocação da ajuda de Deus por parte de quem humildemente se dirige a Ele. Deus nunca rejeita ninguém que se aproxima dele!”
O dicastério afirma que “a sensibilidade pastoral dos ministros ordenados também deve ser educada para realizar espontaneamente bênçãos que não se encontram no livro de bênçãos”, partindo do pressuposto de que, como disse o papa, o direito canônico “não pode abranger tudo”.
O Dicastério conclui: “Não deve ser promovido nem previsto um ritual para a bênção dos casais em situação irregular, mas também não deve ser evitada ou proibida a proximidade da Igreja a qualquer situação em que a ajuda de Deus é solicitada através de uma simples bênção. Na breve oração que pode preceder esta bênção espontânea, o ministro ordenado poderá pedir-lhes paz, saúde, espírito de paciência, diálogo e ajuda mútua, mas também a luz e a força de Deus para poder cumprir plenamente a sua vontade”.
Mas pede-se também que se evite confusão “para evitar qualquer forma de confusão ou escândalo, quando a oração de bênção, embora expressa fora dos ritos previstos nos livros litúrgicos, for solicitada por um casal em situação irregular, esta bênção nunca será realizada ao mesmo tempo que os ritos de união civil ou mesmo em relação a eles”, e o mesmo se aplica se a bênção “for solicitada por pessoas do mesmo sexo”.
A bênção«pode, ao contrário, encontrar o seu lugar noutros contextos, como uma visita a um santuário, um encontro com um sacerdote, uma oração recitada em grupo ou durante uma peregrinação. De fato, através destas bênçãos que são concedidas não através das formas rituais da liturgia, mas antes como expressão do coração materno da Igreja, semelhantes àquelas que em última análise emanam das entranhas da piedade popular, a intenção não é legitimar nada mas apenas abrir a própria vida a Deus, pedir a sua ajuda para viver melhor, e também invocar o Espírito Santo para que os valores do Evangelho possam ser vividos com maior fidelidade”.
O comunicado sublinha que “além das indicações acima referidas, não devemos, portanto, esperar por outras respostas sobre possíveis formas de regular detalhes ou aspectos práticos relativos a bênçãos deste tipo”.
O documento conclui: “A Igreja é, assim, o sacramento do amor infinito de Deus. Portanto, mesmo quando a relação com Deus está obscurecida pelo pecado, sempre se pode pedir uma bênção, estendendo-lhe a mão”.