Há alguns dias o Padre Zezinho fez um crítica aos jovens que participaram do retiro PHN que cantavam uma música que dizia “TUDO PASSA POR ELA”.
Como se não bastasse a sanha protestante contra a Virgem Maria, há também dentro da Igreja aqueles que, sob o pretexto de serem “críticos”, negam a dignidade e a importância de Nossa Senhora na história da salvação.
Entre os vários títulos de nossa Mãe Santíssima que são questionados e depreciados, está o de “Nossa Senhora Medianeira”.
Nesta pregação que está no final do artigo, Padre Paulo Ricardo explica claramente por que, mesmo sendo Jesus o único mediador entre o Céu e a terra, podemos afirmar que Maria é a Medianeira de todas as graças.
O que significa dizer que Maria é “corredentora” e “medianeira de todas as graças”?
A participação singular de Maria na obra da redenção não é apenas uma “opinião piedosa”, mas uma verdade ensinada repetidas vezes pelo Magistério da Igreja.
Falávamos há pouco sobre a relevância das aparições de Maria para a vida cristã e de como os católicos devem interpretá-las segundo a imutável e incorrigível Revelação Divina. De fato, elas não têm a missão de acrescentar ou corrigir qualquer ponto da doutrina, mas de ajudar a Igreja a testemunhar mais profundamente os mistérios de Cristo, sobretudo quando estes mistérios parecem caducar em determinados contextos sociais marcadamente hostis à religião [1].
Na mensagem de Lourdes, por exemplo, Nossa Senhora veio recordar a validade da pobreza e da piedade contra a racionalidade materialista e anticlerical do século XIX.
Não há “fruto da graça na história da salvação que não tenha como instrumento necessário a mediação de Nossa Senhora”.
Em Fátima, por sua vez, a Mãe de Deus insistiu na necessidade de reparação e penitência pelas almas infiéis que, àquela altura, tripudiavam sobre o santíssimo nome de Deus com toda sorte de blasfêmias e injúrias.
É importante agora precisar mais claramente o papel de Maria na história da salvação. Tal esclarecimento nos ajudará a entender por que a Virgem Santíssima veio visitar a humanidade em tantas ocasiões, apresentado-se como meio singular para o acesso às graças de Deus. Quando Bento XVI declarou não existir “fruto da graça na história da salvação que não tenha como instrumento necessário a mediação de Nossa Senhora”, ele não estava simplesmente fazendo uso de um exagero retórico próprio da linguagem dos santos [2]. A mediação de Maria faz parte do patrimônio da fé cristã e é a partir desta verdade, tão presente nos ensinamentos dos santos como também no Magistério ordinário da Igreja, que a porção dos fiéis pode unir-se mais eficazmente contra os desvios mundanos, a fim de alcançar a coroa do Céu.
“Foi pela Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que deve reinar no mundo” [3]: com essas palavras, São Luís Maria Grignon de Montfort resume todo o fundamento da doutrina católica acerca da participação da Mãe de Deus na redenção da humanidade. Como em Deus não há movimento nem mudança, a sua vontade permanece sempre a mesma para todos os efeitos [4]. Ora, Ele escolheu livremente ter uma mãe segundo a carne humana e manter-se submisso aos seus cuidados durante a maior parte de sua vida terrena. Não é difícil concluir, portanto, que essa maternidade divina continua no Céu. A própria Sagrada Escritura nos confirma isso em inúmeras passagens, em especial, nos relatos de São João sobre as últimas palavras de Cristo pregado à cruz: Maria é dada como mãe para toda a humanidade (cf. Jo 19, 25-27; Gn 3, 15; Ap 12, 1-18). E é por meio da cooperação dessa mesma Mãe que nos devem chegar todas as graças da salvação, ou seja, o próprio Jesus Cristo.
Santos de todas as épocas dão crédito a essa doutrina. Falando sobre a cooperação de Nossa Senhora na obra da Redenção, Santo Irineu disse: “Obedecendo, Ela tornou-se causa de salvação para si e para todo o gênero humano” [5].
A Virgem Santíssima completou na própria carne as dores que faltaram à Cruz de Cristo.
Algo semelhante escreveu um discípulo de Santo Anselmo: “Deus é Senhor de todas as coisas, constituindo cada uma delas na sua própria natureza pela voz do seu poder, e Maria é Senhora de todas as coisas, reconstituindo-as na sua dignidade primitiva pela graça, que lhes mereceu” [6].
E para que não reste qualquer dúvida dessa cooperação de Maria, citemos a profecia de Simeão acerca da espada de dor com a qual Ela seria ferida (cf. Lc 2, 35). A Virgem Santíssima completou na própria carne as dores que faltaram à Cruz de Cristo, segundo o ensinamento de São Paulo (cf. Col 1, 24).
No último século, o Magistério ordinário da Igreja também falou repetidas vezes sobre o mesmo assunto.
Leão XIII, por exemplo, redigiu 13 encíclicas para ressaltar o valor da oração do Rosário. É de sua pena esta belíssima prece, na qual o grande pontífice pede que a Virgem “restitua a tranquilidade da paz aos espíritos angustiados; apresse enfim, na vida privada como na vida pública, o retorno a Jesus Cristo”: “Que, no seu poder, a Virgem Mãe, que outrora cooperou por seu amor no nascimento dos fiéis na Igreja, seja ainda agora o instrumento e a guardiã da nossa salvação” [7].
Não nos esqueçamos ainda das piedosas exortações de Pio XII. O Papa que, conforme contam algumas testemunhas, teria visto o milagre do sol nos jardins do Vaticano, ensinava: “Se Maria, na obra da salvação espiritual, foi associada por vontade de Deus a Jesus Cristo, princípio de salvação, pode-se dizer igualmente que esta gloriosíssima Senhora foi escolhida para Mãe de Cristo ‘para lhe ser associada na redenção do gênero humano'” [8].
Palavras semelhantes são encontradas também nas cartas de Pio X, Bento XV, Pio XI, João XXIII, Paulo VI e João Paulo II.
Com tantos papas escrevendo sobre esse assunto, já não se pode dizer ingenuamente que a “mediação universal” de Maria e o seu papel como “corredentora” sejam meras “opiniões piedosas”. Embora a Igreja ainda não tenha se manifestado solenemente a esse respeito, por meio de uma declaração ex cathedra, a sua notável presença nos documentos comuns dos Santos Padres leva-nos àquela obediência da fé, que também se aplica ao que propõe o Magistério ordinário e universal, isto é, “o ensino comum e universal de uma determinada doutrina pelo papa e por todos os bispos espalhados pelo mundo” [9].
Aliás, o próprio Concílio Vaticano II referendou tudo isso que dissemos até agora:
Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até à consumação eterna de todos os eleitos. De fato, depois de elevada ao Céu, não abandonou esta missão salvadora, mas, com a sua multiforme intercessão, continua a alcançar-nos os dons da salvação eterna. Cuida, com amor materno, dos irmãos de seu Filho que, entre perigos e angústias, caminham ainda na terra, até chegarem à pátria bem-aventurada. Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro, medianeira. Mas isto se entende de maneira que nada tire nem acrescente à dignidade e eficácia do único mediador, que é Cristo.
Efetivamente, nenhuma criatura se pode equiparar ao Verbo encarnado e Redentor; mas, assim como o sacerdócio de Cristo é participado de diversos modos pelos ministros e pelo povo fiel, e assim como a bondade de Deus, sendo uma só, se difunde variamente pelos seres criados, assim também a mediação única do Redentor não exclui, antes suscita nas criaturas cooperações diversas, que participam dessa única fonte.
Esta função subordinada de Maria, não hesita a Igreja em proclamá-la; sente-a constantemente e inculca-a aos fiéis, para mais intimamente aderirem, com esta ajuda materna, ao seu mediador e salvador. [10]
Demonstrado o fundamento de nossa fé na cooperação de Maria — cooperação esta que se manisfestou “de modo singular, com sua fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador, para restaurar nas almas a vida sobrenatural” [11] —, tornam-se mais lúcidas as suas aparições, cujas mensagens resumem-se a uma maior fidelidade à religião cristã, ou seja, ao chamado à santidade.
Maria nunca quer nada para Ela. Ao contrário, a Virgem sempre direciona-nos para o Seu Filho, a fim de que deixemos de ofendê-lO com nossos pecados.
Maria fala contra a indiferença e a tibieza dos corações que já não dão espaço para Jesus.
Mais: a Mãe de Deus escolhe almas inocentes para livremente sofrerem pela conversão dos pobres pecadores. Maria, por meio da consagração que lhe fazem, instrui e protege Seus filhos na batalha contra a serpente maligna, forjando-os no mesmo fogo no qual quis ser forjado o próprio Filho de Deus. Portanto, não há como negar as palavras de São Luís Maria Grignon de Montfort: “Se a devoção à Santíssima Virgem nos afastasse de Jesus, seria preciso rejeitá-la como uma ilusão do demônio. Mas é tão o contrário […], esta devoção só nos é necessária para encontrar Jesus Cristo, amá-lO ternamente e fielmente servi-lO” [12].
Maria é, realmente, corredentora e medianeira de todas as graças.
Um hino à Medianeira de Todas as Graças
Entenda por que não devemos ter medo de nos dirigir a Maria como “Medianeira de todas as graças”. A favor dessa invocação estão o peso dos séculos, o testemunho de gigantes da nossa fé e a piedade filial do povo católico.
Publicamos abaixo a letra de uma bela canção composta por Dom Aquino Corrêa em honra a Nossa Senhora, “Medianeira de todas as graças” [i]:
[1.] Mãe de Deus! Virgem-Mãe pura e bela!
Toda cheia de graça e de luz!
És nosso íris, em meio à procela,
Tu que enlaças nossa alma a Jesus!Coro [Refrão]:
Medianeira de todas as graças,
Que na terra derramam os céus!
Esperamos em ti, que nos faças,\
Ó Maria, subir até Deus![2.] Sobre as noites fatais da nossa alma,
Como a lua no céu, tu sorris,\
Refletindo essa luz doce e calma,
Com que Deus chama a si o infeliz.[3.] Esperança de quem desespera!
Mãe de quem agoniza na cruz!
Tu consolas a morte mais fera,
Porque és tu que nos mostras Jesus![4.] Tu és vida, doçura e esperança!\
És a porta e és a chave do céu!
Quem por ti vai a Deus, tudo alcança,
Pois Deus mesmo esta glória te deu!
Do começo ao fim, o hino trata da relação entre Maria e o seu fiel devoto. Mas sempre lembrando que a Santíssima Virgem é intermediária para nos conduzir a Jesus. (Não sem razão, no centro da Ave Maria, a mais importante oração mariana, está também o nome de seu divino Filho.)
Na primeira estrofe, diz o fiel a Maria: “És nosso íris, em meio à procela”, isto é, em meio à tormenta, nos mares agitados desta vida, és o arco-íris, ou o próprio espectro solar — prenúncio de que a tempestade está para findar. Mas por quê? Porque és tu, ó Maria, “que enlaças nossa alma a Jesus” — e é Ele, em última análise, o Sol. No refrão, brilha a mesma ideia: esperamos de Maria que nos faça “subir até Deus”. Na segunda estrofe, Maria é retratada “refletindo” a luz “com que Deus chama a si o infeliz”; depois, na terceira, consolando a morte mais “fera”, isto é, mais dura e cruel, “porque és tu que nos mostras Jesus” — como também rezamos na Salve Rainha: “Mostrai-nos Jesus”. Por fim, num remate belíssimo, o eu-lírico declara que foi o próprio Deus quem deu a Maria a glória que nela proclamamos — e é por isso que tudo alcança quem vai até Deus por meio dela.
Sobre o título Medianeira de todas as graças, vale a pena tecer algumas considerações, sobretudo porque a expressão pode ser entendida em dois sentidos:
- Maria trouxe ao mundo Jesus, fonte de todas as graças, e por isso é medianeira de todas elas (mediatio in universali).
- Desde que foi assunta aos céus, nenhuma graça é concedida aos homens sem a intercessão atual de Nossa Senhora (mediatio in speciali).
Ao empregar o título no primeiro sentido, estamos lembrando a cooperação de Maria na obra da Redenção — fato certo e inegável, pois constante do próprio Evangelho da Anunciação. De fato, quando disse: “Faça-se em mim segundo a vossa palavra”, Maria deu seu consentimento expresso para a Encarnação do Verbo de Deus, tornando-se a ponte entre nós e o seu Filho, que nos concede todas as graças.
No hino composto por Dom Aquino Corrêa, porém, sobressai sem dúvida o segundo sentido do título — e o mais “ousado”, por assim dizer. Aqui, Maria está sendo aclamada não só como mediadora de todas as graças, mas de cada uma delas.
O excelente teólogo Ludwig Ott explica melhor:
Desde que Maria entrou na glória do céu, está cooperando para que sejam aplicadas aos homens as graças da redenção. Ela participa na difusão das graças por meio de sua intercessão maternal, a qual é inferior em poder, sem dúvida, à intercessão sacerdotal de Cristo, mas está, por sua vez, muito acima da intercessão de todos os outros santos.
Segundo a opinião dos teólogos antigos e de muitos teólogos modernos, a cooperação intercessora de Maria tem por objeto todas as graças que se concedem ao homem, de modo que não se lhe concede graça alguma sem que medeie a intercessão de Maria. O sentido dessa doutrina não é que tenhamos forçosamente de pedir todas as graças pela mediação de Maria, nem tampouco que a intercessão de Maria seja intrinsecamente necessária para a aplicação da graça, senão que, por ordenação positiva de Deus, ninguém recebe a graça salvadora de Cristo sem a cooperação intercessora atual de Maria [ii].
Em outras palavras: seria muito bom que os cristãos todos se dirigissem à Mãe de Deus para impetrarem os favores do Céu, mas, ainda que isso não aconteça (no caso dos protestantes, por exemplo), as graças que os homens recebem, é por Maria que as recebem — e isso não por necessidade intrínseca das coisas, mas “por ordenação positiva de Deus”, ou seja, não porque precisava ser assim, mas simplesmente porque Deus tem demonstrado ser essa a sua vontade, ao longo de toda a história da salvação.
Comprova-o, antes de mais nada, a maternidade divina de Maria. Os teólogos e doutores da Igreja raciocinam assim: “Já que Maria nos deu a fonte de todas as graças, é de esperar que também ela coopere na distribuição de todas elas” [iii]. Defendem o mesmo santos da estirpe de São Germano de Constantinopla, São Bernardo de Claraval, São Pedro Canísio e Santo Afonso Maria de Ligório.
Mas também reforçam essa ideia a intervenção de Maria nas Bodas de Caná (cf. Jo 12, 1-12) e sua maternidade em relação aos discípulos de Cristo, recebida aos pés da Cruz (cf. Jo 19, 25-27). Não à toa foi esta a perícope escolhida para a festa de Nossa Senhora, Medianeira de Todas as Graças, acolhida na liturgia pelo Papa Bento XV, em 1921 [iv]: “Já que Maria se converteu em mãe espiritual de todos os redimidos, é conveniente que com sua incessante intercessão ela cuide da vida sobrenatural de seus filhos” [v]. Refletem o mesmo, comentando este Evangelho, nomes tão antigos quanto Orígenes e Santo Agostinho.
Por tudo isso, não devemos ter medo de nos dirigir a Maria como “Medianeira de todas as graças” — por mais que o título ainda não tenha sido objeto de uma declaração formal e definitiva da Igreja. Pois a favor dessa invocação estão o peso dos séculos, o testemunho de gigantes da nossa fé e a piedade filial do povo católico.
Cantemos então, também nós, à Virgem mediadora: “Quem por ti vai a Deus, tudo alcança, / Pois Deus mesmo esta glória te deu!”