Há três anos, a cineasta pernambucana Deby Brennand aceitou o desafio de transformar em filme a vida do milagroso capuchinho Frei Damião.
Ontem (29), no tradicional Cinema São Luiz, no Recife, aconteceu a cerimônia de abertura do 23º Cine PE – Festival do Audiovisual. O evento contou com uma bela homenagem à Graça Araújo, jornalista e apresentadora de todas as edições do evento falecida em 2018, e com a exibição de dois filmes hors concours (fora de competição: o curta-metragem Parto Sim!, de Katia Mesel, e o documentário Frei Damião – O Santo do Nordeste, dirigido pela pernambucana Deby Brennand.
Com o cinema completamente cheio de espectadores, o documentário mescla registros do século XX (seja na Itália como no Brasil) e cenas ficcionais a fim de dar vislumbres da atuação do frei para com a população religiosa de Pernambuco e outras regiões do Nordeste. A obra contra com diversos depoimentos de devotos e padres, que facilitam a noção do quão dedicado Damião era para com seu trabalho e sua missão.
Ao fim da exibição, o filme foi bastante aplaudido pelo público recifense, que incluía devotos, freiras e padres, que de uma forma ou de outra conhecem a importância de tal figura religiosa – seja pelas histórias de familiares que atestam a aura milagrosa de Damião ou simplesmente pela presença incansável do homem, que viveu por 66 no Brasil.
O Filme
Frei Damião – O Santo do Nordeste é, sobretudo, a história de um homem. Já nas últimas fases do seu processo de beatificação no Vaticano, o capuchinho adentrou a crença popular como a figura de um santo. Deby, no entanto, faz um movimento oposto. O documentário investiga as raízes da mitificação de Damião, acompanhando sua história desde a infância na Itália, até sua vinda ao Nordeste. “Eu não tinha muito conhecimento sobre Frei Damião, apesar de conhecer algumas histórias. Sou católica, mas não assídua. Então eu busquei não só o relato, eu queria entender também o que faz um homem virar um santo. A história do filme vai mais para esse lado pessoal, o homem Frei Damião” explica a cineasta.
Para condensar a histórica trajetória do capuchinho em 90 minutos, Deby usou todo potencial da linguagem cinematográfica. Em alguns momentos, a obra recorre a encenação, ficcionalizando partes da vida de Damião que os registros visuais não alcançaram. Em outros, a parte mais documental aflora em relatos de fiéis que cruzaram ou têm histórias sobre o Frei. “O filme tem três linhas. Existe uma de ficção, a do docudrama e o lado documental mesmo” pontua.
“Frei Damião chegou aqui com 33 anos, tínhamos que recuperar a parte dele na Itália, então buscamos o caminho da ficção. A história quem conta são os personagens reais, não existe narrador. E paralelo a esse documental, vamos contando uma historia ficcional. Dentro do doc existe um docudrama, fora existe uma ficção” completou.
Além dessa abordagem, o longa ainda é composto por imagens de arquivos inéditas captadas pelos cineastas Otacílio Cartaxo e Machado Bitencourt, da década de 60, e filmagens gravadas em fitas VHS durante os anos 70 até 90, que foram guardadas no Convento de São Félix, no Recife. Algumas, conta Deby, filmadas pela dupla de Damião, o Frei Fernando. “Na religião católica, na ordem dos franciscanos, os capuchinhos costumam andar sempre em dupla. E quem comprou uma câmera e filmava Frei Damião o tempo inteiro foi Frei Fernando, que era um apaixonado por cinema”.
Toda essa junção de materiais, e até criação de novos, buscou dar conta dos 98 anos de uma das figuras mais icônicas do Nordeste – região à qual dedicou 66 anos da sua vida. Estima-se que Frei Damião seja o autor de mais de 30 mil milagres no tempo em que percorreu estados como Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Bahia e Ceará nas Santas Missões. Boa parte desses locais, por exemplo, serviram para gravação de cenas e busca de relatos para o longa. Segundo Deby, nesses processos a parte mais difícil era filtrar as histórias contadas, “todo mundo tinha um milagre envolvendo Frei Damião”.
Foi neste sentido que a cineasta encarou o filme também como uma descoberta particular. “Eu queria entender certas coisas; principalmente o processo por trás de toda mitificação, tanto que no documentário eu não falo sobre a beatificação atual”. Até por isso, o filme assume uma abordagem mais didática, mas nem por isso menos inspiradora e apaixonada pelo que documenta.
“A gente foi até a Itália e conheceu a família dele. Descobriu que ele foi formado na Universidade Gregoriana de Roma – uma das mais importantes na época –, e foi abandonando tudo isso para se dedicar a religião. Ele vai ao longo se desprendendo de tudo, desapegando do que era material, como Jesus e até o próprio São Francisco de Assis, para vim viver aqui fazendo missões. Foi daí também que foi surgindo toda sua mitificação. Era inacreditável como aquele homem pequeno, franzino, ficava sentado 24h escutando confissões sem pausas” conta a diretora.
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Biografia de Frei Damião
Frei Damião (1898-1997) foi um religioso católico italiano. Durante 66 anos peregrinou por diversas cidades do Nordeste Brasileiro levando a evangelização. O pedido de canonização do frei foi aberto em 2013.
Frei Damião (1889-1997) nasceu em Bozzano, na Província de Lucca, na Itália, no dia 05 de novembro de 1898. Filho dos camponeses italianos Felix e Maria Giannotti teve uma importante formação católica. Foi batizado com o nome de Pio Gionnotti.
Com 10 anos de idade, após ser crismado, começou a externar sua vocação ao sacerdócio. Com 13 anos ingressou no Seráfico de Camigliano, da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos. Aos 17 anos recebeu os votos religiosos, passando a ser chamado de Frei Damião de Bozzano.
Frei Damião iniciou o estudo da Filosofia que foi interrompido com sua convocação para o serviço militar durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1920 foi enviado para a Universidade Georgiana de Roma, onde estudou Direito Canônico e Teologia Dogmática.
Em 05 de agosto de 1923, foi ordenado sacerdote na Igreja do Antigo Colégio São Lourenço de Brindisi, em Roma. Em seguida foi nomeado vice mestre de noviços. Em 1931 foi enviado ao Brasil chegando no dia 17 de junho com a missão de evangelizar.
Ao chegar ao Brasil instalou-se no Convento de Nossa Senhora da Penha, no centro da cidade do Recife. Foi eleito assistente da Custódia Geral dos Capuchinhos de Pernambuco, onde se dedicou às Santas Missões. Iniciou suas peregrinações no sítio Riacho do Mel, no município de Gravatá, em 05 de abril, logo conquistando a admiração dos católicos da região. Durante a Segunda Guerra Mundial, Frei Damião permaneceu recluso em um convento na cidade de Maceió, em Alagoas, até 1945.
Frei Damião dedicou 66 anos de sua vida a peregrinar por diversas cidades do Norte e Nordeste do Brasil pregando o evangelho. Quando chegava a uma cidade era recebido com festa e tratado com carinho, pois todos queriam ouvir suas palavras. Era presença esperada para levar conforto à casa de algum enfermo. Porém afirmava que era apenas um mensageiro de Deus.
Com o passar dos anos o frei adquiriu uma deformação na coluna que o deixou encurvado, provocando dificuldades na fala e na respiração. Durante muitos anos sofreu de erisipela, devido à má circulação sanguínea. Em 1990 sofreu uma embolia pulmonar e reduziu o ritmo de suas caminhadas.
Em virtude de idade avançada, o frei foi diminuindo suas visitas. No dia 31 de maio de 1997, após 19 dias em coma no Real Hospital Português, Frei Damião veio a falecer. Seu corpo foi embalsamado e velado na Basílica da Penha, durante três dias. Após ser velado, foi sepultado no Convento de São Félix de Cantalice, no bairro do Pina, no Recife, preparado para recebê-lo, e hoje é ponto de peregrinação dos fieis. A Igreja analisa o processo de canonização do frei, que foi aberto em 2013.