Tendo passado S. Francisco perto de uma festa/torneio promovida pelo Conde Orlando subiu ao muro que o separava dos rumores e entoou um cântico cujo conteúdo essencial rezava assim: A imensidade do Bem que me espera é tão superior, que todo o sofrimento é para mim redentor. O Conde alegrou-se com aquela simplicidade de ser e de cantar, e convidou-os para a sua mesa.
A impressão causada pelo Santo e por sua conversação foi tanta que o aristocrata ofereceu-lhe como propriedade, o monte Alverne, para se poder retirar e recolher em suas orações e contemplações. Ora aí se escondia um grande malfeitor, a quem chamavam o Lobo por ser terrível nas suas rapinas e feroz nas suas crueldades. S. Francisco, com a sua reconhecidíssima paciência, grande mansidão e profunda humildade alcançou a conversão desta fera.
O extraordinário Níkos Kazantzákis, prémio Nobel da literatura, era um escritor admirável. Infelizmente só li três livros dele: Os irmãos inimigos, O Cristo recrucificado e a vida de S. Francisco de Assis. Não obstante as suas posições filosóficas, com as quais não concordo, era arguto e tinha intuições magníficas. Por exemplo, na sua biografia do Santo de Assis pega na narração do Irmão Lobo do Monte Alverne e cria uma história extraordinária, que eu ainda não encontrei nas Fontes Franciscanas, mas que, de qualquer modo, retrata, quanto a mim, na perfeição a mentalidade e o modo de ser de S. Francisco.
O Irmão Lobo, apesar de convertido, não tinha alcançado ainda o estado de perfeição. Daí que não só resolveu banquetear-se, numa quaresma, como seduziu, Frei Leão, Padre e confessor de S. Francisco. Toda a tentação foi desenvolvida com aparências de bem. Afinal todo o repasto magnífico com suas guloseimas eram um dom de Deus! Frei Leão, deixou-se seduzir e repastou-se gulosamente com o Irmão Lobo. No dia seguinte, caindo em si, e muito arrependido, vai “confessar” o seu pecado ao Diácono S. Francisco.
O Santo deteve-se em silêncio, como que meditando em seu coração, até que retorquiu: Frei Leão o teu pecado é grave, como penitência eu farei um jejum rigoroso em tais e tais dias. Isto é, S. Francisco assumiu sobre si o pecado do outro unindo-se vicariamente a Jesus Cristo de modo a reparar a ofensa e a implorar o perdão. Disse a verdade, mas não condenou, não repreendeu, não acusou, pelo contrário ofereceu-se ao Crucificado para que participando nos Seus sofrimentos pudesse alcançar a Graça do arrependimento e da conversão dos que por fraqueza pecaram.
Um dos Santos franciscanos, muito desconhecido (mais um…), S. Francisco Solano, a certa altura da sua vida foi mandado exercer o cargo de Mestre de Noviços – (para quem não está por dentro desta deste jargão diga-se, com pouco rigor) diga-se, para nos entendermos, que o noviciado é a recruta dos frades. Ora, S. Francisco Solano acompanhou durante esses anos noviços, com muitos defeitos e não poucos pecados. Mas contrariamente a outros Mestres não se irritava, pelo menos exteriormente, não ralhava, não repreendia.
Porém, às ocultas empenhava-se com grande sacrifício e generosidade em compensar ou reparar aquilo em que eles tinham falhado. Se faltavam à oração ou nela eram descuidados, se não faziam as penitências devidas nem os trabalhos próprios da sua educação tudo isso ele fazia pela calada oferecendo-se por eles. O resultado desta formação, considerada original ou mesmo singular, foi um fortalecimento e ainda um renascimento das vocações. Mais tarde foi mandado para as missões na América do Sul onde continuou o seu trabalho extraordinário. Agiu à maneira de S. Francisco, por isso não admira a fecundidade apostólica que obteve.
Poderemos nos dias de hoje conseguir, através deste método, os frutos apostólicos, que S. Francisco e muitos dos seus sucessores alcançaram? Eu creio que sim.
Padre Nuno Serras Pereira | via Senza Pagare