No dia em que celebramos a Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, compartilhamos com você uma bela reflexão sobre o surgimento desta rica devoção em nosso país.
Por Prof. Raphael Tonon
O Brasil nasceu católico, sob a égide da Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, estampada nas velas das naus dos colonizadores portugueses. Desde o início da colonização brasileira, para além dos interesses por ouro, madeira e outros bens, a intenção primeira dos portugueses era fazer desse processo colonizador um esforço apostólico para levar nossa gente até Deus.
Como em tudo o que é humano, o mistério da iniquidade esteve presente na ação dos colonizadores; injustiças foram cometidas, erros foram adotados como práticas aceitáveis, enfim, muitos problemas ocorreram nesse percurso, mas a opção de trazer o gentio de nossa terra para Deus foi inegável. Desde a Idade Média, Portugal já demonstrava sua grande e terna devoção para com a Mãe de Deus, merecendo, não sem razão, a alcunha de “Terra de Santa Maria”. O próprio fundador de Portugal, Dom Alfonso Henriques, que proclamou a independência do Condado Portucalense em relação ao Reino de Castela, na véspera da Batalha de Ourique, da qual resultou o nascimento de Portugal, teve uma visão de Cristo Crucificado que lhe pediu para que levasse o povo de Portugal e todos os demais povos que seriam confiados a Portugal para o porto seguro da fé católica. Esse mandato divino foi seguido à risca por centenas de portugueses que empenharam suas vidas no anúncio do evangelho em terras tupiniquins.
Em 1640, após o fim da União Ibérica, período histórico em que o rei da Espanha, em virtude da morte, sem deixar herdeiros, de Dom Sebastião, rei de Portugal, acabou assumindo o trono espanhol e o português concomitantemente. Esse reinado que juntou num único bloco as duas nações da Península Ibérica durou sessenta anos e em 1640, D. João IV, parente próximo do rei falecido e com o apoio de boa parte da nobreza, conseguiu retomar o trono português e garantir novamente a autonomia do reino. Como ação de graças por ter conseguido operar essa mudança no cenário político e já para confiar Portugal aos cuidados da Mãe de Deus, decidiu consagrar Portugal e todos os seus domínios a Nossa Senhora da Conceição, ou seja, na prática, a partir desse momento Ela começa oficialmente a ser a padroeira também do Brasil.
O dogma da Imaculada Conceição só seria proclamado oficialmente pela Igreja em 1854, mas em Portugal, de modo especial, a defesa desse dogma, as pregações e a literatura sobre esse privilégio mariano sempre foi um assunto muito caro ao clero e ao povo português, daí a grande devoção que tinham à Imaculada Conceição de Maria Santíssima e a consequente consagração que o rei lhe fez. Inúmeras igrejas, capelas e oratórios foram erigidos sob essa invocação e eram raras as casas em que não se encontrassem imagens de Nossa Senhora da Conceição no Brasil Colônia.
“Capela D’Aparecida”
Em 1822, por ocasião da Independência do Brasil, o Príncipe Regente Dom Pedro de Alcântara passou por Guaratinguetá e foi hospedado pelo capitão-mor, autoridade militar da vila, que não morava no centro, mas sim num bairro mais afastado, apelidado de “Capela D’Aparecida”, núcleo primitivo da atual cidade de Aparecida. Seu pai, Dom João VI, logo que chegou de Portugal ao Brasil tomou conhecimento da fama e dos prodígios que se contavam sobre a “imagenzinha” da Virgem da Conceição pescada no Rio Paraíba em 1717. Dom João, demonstrando sua devoção à Virgem enviou uma lâmpada de prata batida como doação para o santuário e agora era seu filho, Dom Pedro que vinha pessoalmente até sua capela. Como o capitão-mor morava na praça da capela, fez questão de conduzir a visita do príncipe à igreja, onde, segundo registros rezou e recomendou especialmente a causa da Independência a Nossa Senhora. No dia seguinte, partindo dali, ao passar por Pindamonhangaba recebe correspondência de sua esposa Dona Leopoldina que o alertava de que na capital brasileira tudo já estava preparado para a Independência. Saindo dali dirigiu-se à São Paulo e novamente recebeu a correspondência de sua esposa e do ministro José Bonifácio comunicando que Portugal pretendia suspender todos os direitos do príncipe regente, o que acelerou a proclamação da independência, ocorrida nas margens do Ipiranga a 7 de setembro de 1822. Assim, D. Pedro tornava-se o primeiro imperador do Brasil e o confiava à intercessão da Virgem Maria, confirmando a prática já muito comum de venerá-la sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição. Também ele mandará uma lâmpada de prata para a capela da Senhora Aparecida.
Além de Nossa Senhora da Conceição que já era amplamente venerada, Dom Pedro solicitou ao Papa Leão XII que proclamasse São Pedro de Alcântara como padroeiro do Brasil. Ele era o santo de devoção da família real portuguesa, daí o nome de nossos dois imperadores. O papa acatou o pedido, mas na prática devocional cotidiana a maior parte dos brasileiros ignorava isso e veneravam Nossa Senhora da Conceição, à época algo muito comum, posto que era já a padroeira de Portugal e seus domínios.
A devoção a Nossa Senhora está arraigadíssima na alma brasileira desde o início. Cabral, em suas naus fazia expor e venerar imagens da Virgem, tanto que em sua cabine particular trouxe consigo uma imagem de pedra de Nossa Senhora da Esperança que adornou o altar da primeira missa celebrada no Brasil por Frei Henrique de Coimbra. Dentro de sua nau havia um pequeno altar onde se celebrava a Santa Missa diariamente diante de um quadro de Nossa Senhora da Piedade.
Esses são alguns dos muitos exemplos de amor filial que portugueses e brasileiros sempre devotaram a Nossa Senhora e no decorrer da história essa relação foi se expandindo cada vez mais. A história dos favores que Nossa Senhora dispensava ao povo brasileiro, sobretudo a partir do seu santuário em Aparecida fora adquirindo notoriedade nacional. Em 1860, a Princesa Isabel, buscando tratamento médico para que pudesse engravidar recorreu às águas termais da estância de Caxambu, em Minas Gerais. De lá, a princesa e seu esposo se dirigiram à Aparecida para rezar a Nossa Senhora suplicando pela graça de gerar um herdeiro. Dois anos depois a princesa gerava o primeiro de seus três filhos. O voto feito para Nossa Senhora era o de lhe oferecer um manto e uma coroa, mas somente em 1888 foi que a princesa conseguiu retornar à Aparecida e cumprir seu voto. Saindo de Aparecida, logo que retornou ao Rio de Janeiro, a Lei da Abolição passou no Senado e a princesa imperial sancionou a libertação dos escravos. No ano seguinte a monarquia cairia após o golpe republicano de quinze de novembro e, entre as lamentações da Princesa Isabel registradas em seus diários estava a de não poder visitar a veneranda imagem de Nossa Senhora em seu santuário de Aparecida.
Basílica de Nossa Senhora Aparecida
São Pio X elevou o santuário de Aparecida à categoria de basílica e já em 1894 os missionários redentoristas chegaram a Aparecida para administrar o santuário. Daí em diante um novo impulso foi dado à devoção que passou a ser conhecida em todos os cantos do Brasil. Os redentoristas, providencialmente também haviam recebido de seu fundador, Santo Afonso de Ligório, Nossa Senhora da Conceição como padroeira principal de sua congregação, sendo assim, a devoção a Nossa Senhora Aparecida de modo muito prático se ligava à expressão mariana venerada na própria congregação. A partir da vinda dos redentoristas para o Brasil, surgiu a ideia de fazer uma réplica da imagem original em tamanho um pouco maior para ser levada junto com os missionários em suas lidas apostólicas. A primeira cidade a receber a visita de uma imagem fac-símile de Nossa Senhora Aparecida foi a cidade de Areias. Dali em diante, os redentoristas sempre levarão consigo a imagem de Nossa Senhora e a devoção e os prodígios operados por intercessão da Virgem Maria a partir de sua imagem e santuário em Aparecida se espalharam e se tornaram amplamente conhecidas, resultando numa expansão muito rápida dessa invocação por todo o território nacional.
Em 1904, o Papa São Pio X ordenou a coroação canônica da veneranda imagem de Nossa Senhora, ocasião em que utilizaram a coroa doada pela Princesa Isabel, a mesma que se utiliza na imagem original até o presente. Em 1931, atendendo ao clamor do povo e do episcopado brasileiro, o Papa Pio XI proclamou Nossa Senhora Aparecida como padroeira principal do Brasil. A cerimônia de acolhida do decreto papal e de consagração do Brasil a Nossa Senhora teve lugar no Rio de Janeiro, para onde a imagem original foi transportada num vagão-capela e recebida apoteoticamente por mais de um milhão de pessoas que desejavam saudar a padroeira do Brasil. Essa proclamação pontifícia foi uma confirmação de todo o histórico, desde o início da colonização de grande devoção à Mãe de Deus.
Senhora Aparecida, “Generalíssima do Exército”
Com tantas honras e tantas demonstrações de amor filial a Nossa Senhora, os brasileiros não pararam por aí. Em 1967, o Exército Brasileiro proclamou Nossa Senhora Aparecida como “Generalíssima do Exército” e em 1980 foi instituído o feriado nacional para honrar a padroeira do Brasil no dia 12 de outubro. Do Papa Paulo VI ao Papa Francisco, todos os pontífices (com exceção de João Paulo I que teve um pontificado muito reduzido) demonstraram sua deferência pela invocação de Nossa Senhora Aparecida e pelo povo brasileiro que a venera tão ternamente através da entrega das rosas de ouro (como Paulo VI, Bento XVI e o Papa Francisco fizeram) e mesmo de suas visitas à basílica de Aparecida (como João Paulo II que a consagrou, Bento XVI e Francisco).
Para além do reconhecimento cívico e religioso da importância dessa devoção, está o aspecto espiritual, pois Deus nos deu Maria Santíssima como intercessora privilegiada para nos alcançar as graças de que necessitamos para nosso bem e salvação. Não sem razão Santo Afonso afirmará que “o verdadeiro devoto de Maria não se perderá jamais”, por isso, roguemos à Mãe de Deus e nossa que nos mantenha sempre debaixo de sua proteção!
Aprofunde-se mais assistindo o vídeo abaixo:
Raphael Tonon | Comunidade Católica Pantokrator
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