SANTO DO DIA – 23 DE JUNHO – SANTA MARIA D OIGNIES
Nascida em 1177, em Nivelle, Brabante, de uma família riquíssima, as riquezas jamais lhe impressionaram a alma, mesmo na mais tenra idade. Jamais ou raramente, a viram tomar parte nos brinquedos da infância, não pela morosidade do caráter, mas porque desde então a graça divina a atraía para as coisas do céu.
Desde a infância, levantava-se de noite, punha-se de joelhos ao pé da cama, e repetia as orações que havia aprendido de cor. A misericórdia e a piedade pareciam ter nascido com ela e nela cresciam com os anos. Criança ainda, quando via passar religiosos cistercienses diante da casa do pai, seguia-os às escondidas, cheia de admiração e, não podendo fazer outra coisa, punha os pés nas suas pegadas.
Os pais, como era costume das pessoas do mundo, quiseram adorná-la de vestes preciosas; ela usava-as com tristeza, como se lesse na alma o que os apóstolos São Pedro e São Paulo haviam dito contra os ornamentos femininos. Os pais surpresos, zombavam dela: “Mas que será de nossa filha?” Casaram-na com a idade de quatorze anos a um jovem que muito lhe convinha pela doçura da natureza.
Afastada dos pais, seu fervor e austeridades não conheceram limites. Frequentemente, após haver empregado parte da noite no trabalho Manuel e em oração, repousava sobre tábuas que escondia sob o leito. Como não tinha liberdade de dispor do corpo abertamente, servia-se, em segredo, de uma corda rude que trazia sobre a carne. O marido, de nome João, vivia primeiramente com ela como esposa, mas em breve, conquistado por seu exemplo, não a considerava senão irmã e companheira na piedade. Desde então, não somente levou vida casta, mas foi o guardião fiel da castidade da esposa, cuidando do que lhe faltava, a fim de que nada a afastasse da contemplação e dos exercícios de piedade que ocupavam todas as horas de sua vida. Com ela, deu aos pobres o que possuía e juntou-se a ela na oração e em todas as obras da caridade às quais podia tomar parte. De sorte que, quando mais dela se separou corporalmente, renunciando a toda afeição carnal, mais se lhe unia pelos laços de uma sociedade toda espiritual. Não se contentaram em crucificar a carne em tão grande juventude; mas, esquecendo-se de si próprios, aplicaram-se em servir os leprosos na cidade de Nivelle.
Os homens do século não tardaram em censurar conduta que lhes parecia surpreendente; e os parentes de um e outra não mais podiam vê-los senão com despeito. Parecia que houvesse tido uma conspiração geral em todo o país para zombar deles e deles fazer o objeto das zombarias públicas. Do mesmo modo que todos os respeitavam quando ricos, assim todos os desprezavam quando voluntariamente se tinham tornado pobres por amor de Jesus Cristo. Consideravam-nos pessoas insignificantes, e quanto mais humildes e pacientes os viam, mais procuravam ultrajá-los com injúrias. Maria, bem como o marido, recebia-as com alegria, no desejo ardente de participar das humilhações que Jesus Cristo havia sofrido na cruz.
O princípio de sua conversão perfeita, a causa de seu amor sempre mais fervente por Deus, foi a cruz do Salvador.
Um dia, a meditação dos sofrimentos a impressionou com tal compunção, que seu lugar na igreja se encontrou inundado de lágrimas. Depois, ela permaneceu longo tempo sem poder olhar uma imagem da cruz, nem falar ou ouvir falar de Jesus Cristo, sem que caísse em desmaio que ia até o êxtase. Havia recebido de Deus o dom das lágrimas a tal ponto, que não lograva a reter-lhes o curso.
A magreza extrema, a que a tinham reduzido os longos jejuns e longas vigílias, não a impedia de derramá-las em abundância. Dizia aos que temiam que estivesse enferma que tais lágrimas eram o seu alimento; que longe de lhe fazerem mal, lhe aliviavam as penas. Quase sempre era a vista do que Cristo havia sofrido pelos pecados dos homens que a faziam derramá-las. Por seu turno, empenhava-se em nada fazer que pudesse obrigá-la a derramá-las por si própria.
Vigiava com tanto cuidado a alma e os sentidos, e conservava o coração em tão grande pureza, que seu diretor jamais nela notou palavra indecente, olhar mal regrado, ação um tanto mais livre, nem riso imoderado, nem gesto que não fosse modesto. Quando, à noite, examinava severamente tudo o que havia feito durante o dia, e julgava haver-se excedido na menor coisa, confessava-se imediatamente ao padre, com viva contrição.
O amor do Salvador a fazia amar a cruz. Tinha feito a deus o sacrifício dos bens, e fazia perpetuamente o sacrifício do corpo com mortificação contínua. Usava do alimento somente para não morrer; comia uma vez por dia e em pequena quantidade; no verão, na hora das vésperas, no inverno, na primeira hora da noite. Não bebia vinho e não comia carne; seus alimentos mais comuns eram frutas, ervas e legumes; por muito tempo costumava comer um pão negro, tão seco e duro, que lhe magoava a garganta, à medida em que o tomava. Três anos a fio jejuou a pão e água, desde a exaltação da santa cruz até a Páscoa, e isso sem em nada diminuir o trabalho manual.
Algumas vezes, durante trinta e cinco dias, repousava afetuosamente com o Senhor, em doce e bem-aventurado silêncio, não tomando qualquer alimento corporal, e não proferindo mais que esta palavra: Quero o corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Havendo-o recebido, permanecia em silêncio com o Senhor. Nesses dias, sentia o espírito como que separado do corpo, encontrando-se como que num vaso de lama, tal era o seu desprendimento das coisas sensíveis, e arrebatada acima delas. Enfim, após cinco semanas de arrebatamento, para grande espanto de todos, voltava a si, falava aos presentes e tomava alimento.
Quanto mais enfraquecia o corpo pelos jejuns, mais o espírito se lhe fortificava na prece. Orava de dia e de noite com assiduidade infatigável; orava sem cessar, ou no silêncio do coração sem emprego da palavra, ou exprimindo pela boca os sentimentos do coração. Mesmo quando fiava ou executava outro trabalho Manuel, tinha sempre o saltério aberto diante dela para cantar os louvores de Deus e tê-lo sempre presente no pensamento.
Não passava ano que não fosse em peregrinação a Nossa Senhora d’Oignies; ali, sempre obtinha algumas graças de Deus pela intercessão da santa Virgem. Essa igreja situava-se a uma légua de Nivelle, e o caminho era quase inviável em todas as estações: Maria percorria-o com os pés nus, mesmo nos maiores rigores do inverno. Não comia nada durante todo esse dia e passava toda a noite em oração na igreja, não se alimentando senão no regresso, após as vésperas. Estava, por outro lado, acostumada a vigilar assim na Igreja de Willenbrock, bairro de Nivelle, onde morava; vigilava em oração, com a licença do sacristão, até que, não mais podendo resistir o sono, apoiava a cabeça na parede para tomar um instante de repouso. O leito que tinha, e onde quase nunca se deitava, apenas continha um pouco de palha, como todo conforto.
Em comunhão perpétua com Deus, com os anjos e santos, Maria teve grande número de visões sobrenaturais e de revelações. O cardeal Jácomo de Vitri, seu diretor espiritual e biógrafo, cita diversas. Havia recebido de Deus um maravilhoso discernimento para distinguir o que vinha realmente de Deus do que procedia da natureza ou do anjo das trevas.
Permaneceu alguns anos reclusa em Willenbrock; mas não podendo mais suportar a multidão dos que vinham por devoção vê-la de Nivelle, pediu a Deus que lhe desse a conhecer lugar mais favorável para não se ocupar senão d’Ele. Não encontrou local mais favorável a esse propósito do que em Oignies, tanto por estar afastado das estradas como por ser pobres. Ademais, havia já visto algumas servas de Deus, com as quais esperava servi-lo com mais fervor ainda. Para lá se dirigiu com permissão do marido, e de Gui, seu cunhado, que havia escolhido por pai espiritual, ao qual unia o célebre Jácomo de Vitri, que foi depois cardeal-arcebispo de Túsculo. Ali viveu sem obstáculo na perfeição a que aspirava. Enfim Deus, tendo-a cumulado de graças em profusão contínua, fê-la chegar ao término que havia marcado para concluir os trabalhos de sua vida mortal.
Jácomo de Vitri, tendo recebido ordem do Papa Inocêncio III de pregar a cruzada contra os maniqueus albigenses, foi obrigado a deixá-la no mesmo ano em que ela morreu. Predisse-lhe ela que não a reveria senão para assisti-la no último instante; e fez o seu testamento, legando-lhe o cinto usado e o velho lenço regado com lágrimas. Consolou-se da ausência de tal diretor, com a expectativa da transmigração próxima e a presença do bispo Foulque de Tolosa, que, expulso de sua sede pelos albigenses, viera refugiar-se em Liége.
Sua última enfermidade foi extremamente longa e acompanhada de dores atrozes. Mas as consolações espirituais lhe igualavam, e mesmo, ultrapassavam os sofrimentos. Durante os três últimos meses de vida, não tomou senão onze vezes alimento: a repugnância não cessava senão com a recepção do sacramento da Eucaristia. Mostrava a alegria que lhe inundava o coração com hinos e cânticos, que entoava continuamente em língua romana e em ritmo ou rima.
Poucos dias antes de morrer, mandou transportar o leito para a igreja, ao pé do altar, a fim de que os objetos de sua piedade lhe fossem mais sensíveis. Continuou a entoar os cânticos de alegria, o Magnificar e o Nunc dimittis, em meio aos sofrimentos, até que, no domingo, dia 23 de Junho de 1213, entregou a alma a Deus, com a idade de trinta e seis anos. Fotos: santiebeati.it / (Vida dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XI, p. 119 à 125)