Por Alexandre de Hollanda Cavalcanti
Maria aceita sofrer com seu Filho
Os dias da Quaresma nos preparam para o momento supremo da Paixão e Morte de Nosso Senhor, que se entregou para salvar-nos. Este período tão importante para nossa vida espiritual exige que encontremos um modelo de perfeita união com Jesus Cristo para alcançar a preparação necessária para as graças que Deus enviará no memorial do sacrifício redentor e de sua Páscoa vitoriosa. A primeira pessoa que conheceu este mistério foi Maria. Por isso, seu exemplo é o melhor modelo de preparação para a Semana Santa que se aproxima.
A Santíssima Virgem conheceu, desde o início de sua vocação, o aspecto doloroso da salvação que seria conquistada por Nosso Senhor Jesus Cristo e aceitou, de modo total, voluntário e irrevogável, unir-se ao desejo divino, aceitando, de antemão todas as consequências da maternidade divina. Por isso Ela respondeu ao anjo: “Eis aqui a escrava do Senhor”. Escrava! Ela não colocou limites na sua entrega, mas aceitou tudo o que fosse da vontade de Deus, inclusive a dor e o sofrimento. A Vítima que começaria a formar-se no seu seio virginal, contou com sua aceitação, em nome de toda a humanidade, para no futuro oferecer-se em holocausto redentor no desenlace trágico do Calvário.A Igreja nos ensina que durante os dias da Quaresma devemos escutar com mais frequência a Palavra de Deus, dedicar-nos mais à oração, e fazer também penitência. Este é um tema pouco lembrado em nossos dias, mas devemos recordar que quando Nossa Senhora apareceu aos três pastorzinhos em Fátima, insistiu em que devemos fazer penitência por nossos pecados e em reparação pelos pecados da humanidade. A penitência educa nossa vontade e é um ato concreto de nosso amor a Deus, pois não existe amor sem sacrifício e não existe sacrifício sem amor.
Outro ponto importante é recordar nosso Batismo e o vínculo que a partir deste Sacramento temos como nosso Salvador. Nesta preparação quaresmal, a liturgia nos propõe o exemplo da Santíssima Virgem Maria, sempre fiel à vontade divina, que seguiu os passos de seu Filho Santíssimo até o Calvário, para morrer com Ele (cf. 2Tm 2,11). Quando, ao final dos quarenta dias, chegarmos à gloriosa Páscoa redentora, contemplaremos nossa Mãe celestial como uma “mulher nova”, quer dizer, como o início de uma nova criação, em que tudo nasce de Cristo e, portanto, esta “humanidade nova” estará também totalmente unida à “Escrava do Senhor”.
No Evangelho de São Mateus encontramos o relato do que deve ter sido a primeira participação dolorosa de Maria na missão salvadora de Jesus. Isto se deu antes mesmo de que Ela tivesse conhecimento de sua vocação à Maternidade Divina e a inspirou a consagrar sua vida ao serviço do Messias esperado por todo o povo de Israel. Por este motivo, pode-se dizer que a jovem Donzela de Nazaré foi a primeira “escrava de Maria”. A expressão causa uma certa surpresa, mas São Luís Maria Grignion de Montfort explica que a Santíssima Virgem quis dedicar toda sua vida a servir àquela que seria a mãe do Salvador. A jovem Maria nem podia imaginar que era Ela mesma a eleita de Deus para esta alta missão!Conhecendo as Sagradas Escrituras com uma inteligência superior à dos maiores gênios da humanidade e iluminada pelo Espírito Santo com luzes muito maiores que as de Isaías o qualquer outro profeta, a delicada Virgem de Nazaré esperava a vinda do Messias para seus dias e por isso decidiu consagrar sua vida completamente a seu serviço. O Evangelho de São Lucas deixa isto claro ao relatar a pergunta: “Como se fará isto, pois não conheço homem?” (Lc, 1,34) antecedida da afirmação de que Nossa Senhora já estava desposada com São José, da casa de David. Desde São Gregório de Nissa, Santo Agostinho, até os mariólogos atuais, se encontra neste texto a revelação de que Maria tinha feito um voto ou propósito de virgindade a partir do momento em que ela foi capaz de compreender o sentido desta consagração.
Esta consagração, feita em idade tão remota, talvez no período em que ela estava no Templo, dá inicio à sua união com o sacrifício de Jesus. Efetivamente, a decisão de manter-se virgem, numa sociedade que não compreendia a virgindade consagrada, sobretudo para as mulheres, traria consequências muito difíceis para uma menina de tão tenra idade. Como expressar esta decisão, em termos compreensíveis, aos adultos que não haviam recebido esta graça do Espírito Santo?Com certeza esta decisão encontraria rechaço até em sua própria família e de toda a sociedade israelita. Seria necessário renunciar à possibilidade de ser uma ascendente do Messias, com o perigo, inclusive, de desviar os desígnios divinos abdicando à maternidade, se dela pudesse, num futuro próximo ou distante, nascer o prometido Salvador.O drama da virgindade de Maria se transformava quase em agonia na previsão de uma vida compartida num inevitável matrimônio futuro. Onde encontrar um esposo com os mesmos sentimentos? Na sociedade da época nem sequer era permitido que Ela o procurasse. O ideal de virgindade para a jovem Donzela era um verdadeiro “beco sem saída”! [1]Deus daria solução a este problema no momento oportuno, mas a santa Donzela não podia, antes da Anunciação, nem sequer imaginar os grandiosos planos que o Senhor tinha para Ela.Quanto deve ter custado esta decisão? Com certeza, muita dor de alma, muita angústia, muito sofrimento… mas este sacrifício não foi estéril! A mulher que decidiu consagrar-se a Deus na total virgindade, renunciando voluntariamente à maternidade e, portanto, à hipotética possibilidade de ser mãe ou sequer ascendente do Messias, foi a eleita para unir-se a Deus no grande plano de salvação da humanidade.Este modelo de amor, de dedicação, de aceitação do sofrimento unido ao sangue redentor de Cristo nos dá a clave para viver bem esta Quaresma, seguindo os passos de Jesus através do caminhar de Maria.
Esta via dolorosa, de dúvida vocacional, que não sabemos quanto durou, preparou o Coração Imaculado da santa Menina, para receber a visita do mensageiro de Deus. Por isso Ela não se assustou quando viu o anjo São Gabriel, mas sentiu um verdadeiro temor quando conheceu a grandeza de sua vocação. O mensageiro divino a tranquilizou: “Não temas Maria! […] O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1,30.35).
Maria cogitou profundamente em seu coração, perguntou ao anjo como se daria este mistério e entendeu toda a missão à que estava sendo convidada. Por isso sua resposta não continha nenhuma hesitação: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). E o Verbo de Deus se fez carne, e habitou entre nós! (Jo 1,14)Caminhemos estes dias com Maria e preparemo-nos para o momento em que, contemplando a Paixão, o sofrimento, a agonia e a morte do Senhor, possamos unir-nos totalmente a este sacrifício redentor e dizer com Maria: “Senhor, faça-se em mim o que for necessário para salvar este mundo que cada dia abandona mais a seu Deus e Senhor”.
A perfeita discípula do Senhor
O Evangelho de São Lucas informa por duas vezes a profundidade da alma meditativa de Nossa Senhora: “Maria conservava a palavra de Deus, meditando-a em seu coração” (Lc 2,19.51).A Santíssima Virgem Maria é o modelo perfeito e acabado da Igreja e de toda a humanidade, a primeira e mais perfeita discípula de Cristo[1]. O núcleo central desta exemplaridade de Maria é sua comunhão com nosso Redentor e sua total união com a sua missão salvadora. Por isso devemos compreender que ser Mãe de Deus é o maior privilégio da Virgem Maria, mas este privilégio só alcança sua plenitude por sua total união de intenções e coração na obra salvadora de seu Filho, de modo que, pelo parto virginal, Ela deu à luz ao Salvador e pelo “parto mais doloroso da história”, Maria deu à luz a seus filhos espirituais. Esta expressão “parto doloroso de Maria” é criada por São Ruperto de Deutz, que vê nesta união do sacrifício de Maria com o holocausto de Jesus Cristo, o nascimento dos seus filhos espirituais, o que foi confirmado pelo Senhor do alto da Cruz: “Eis aí a tua mãe” (Jo 19,27).Sua eleição para ser mãe de nosso Salvador foi uma ação divina, mas a aceitação desta missão, com total fidelidade, foi uma opção pessoal e meritória de Maria. Isabel a proclama bem-aventurada por crer, afirmando que é em função desta fé que se realizaria tudo o que lhe foi dito da parte do Senhor (Lc 1,45). É por isso que Santo Agostinho faz uma afirmação ousada: “Maria foi a que melhor cumpriu a vontade do Pai, mostrando assim o modo mais excelente de ser Mãe de Deus, posto que é maior merecimento dela ser discípula de Cristo que Mãe dEle”[2].
Nossa Senhora tinha uma fé tão profunda que a levou a cooperar e crer no incrível: da morte de seu Filho viria a vitória definitiva.Cada vez que assistirmos à Missa nesta Quaresma, recordemos a importância de compreender que a Santíssima Virgem está junto a cada altar, do mesmo modo que esteve no Calvário. Sua união com Jesus na nossa salvação faz com que Maria seja modelo também para os sacerdotes, que oferecem a Cristo em nome da Igreja, como Ela o ofereceu por primeira vez no altar da Cruz.No formulário da Missa proposta pela Igreja para a comemoração de Maria junto á Cruz do Senhor, encontramos uma afirmação forte de São Paulo: “Deus não perdoou a seu próprio Filho”, entregando-o para morrer por nossa salvação e ressuscitar para interceder pelos homens junto ao Pai (cf. Rm 8,31b-39). Em função disso, São Paulo afirma a fortaleza e intrepidez que deve ter um cristão por confiar no seu único Redentor. Esta foi a confiança da “primeira discípula”, da cristã por excelência! Nunca se ouviu dizer nos Evangelhos, nem nos livros apócrifos, nem sequer saiu dos lábios dos inimigos da Igreja, que em algum momento Maria teve medo. Que a poderia separar de seu Filho? Aflição, angústia, perseguição? Para Ella nem morte nem vida… nenhuma força vinda da terra ou dos infernos poderia separá-la do amor a Jesus.
O Evangelho de São Lucas (2,41-51) recorda o que foi para Maria a primeira experiência do Calvário. Um momento chave de sua participação na vida de Jesus: a perda do Santo Menino, quando Ele tinha doze anos de idade. Não podemos imaginar que Jesus se perdeu no mundo criado por Ele! Sua ausência não poderia ser considerada como um ato de inconsciência infantil, mas como uma ação deliberada e consciente. O Menino se retirou propositadamente para cumprir uma missão reveladora, preparando sua Santíssima Mãe para seu sacrifício futuro. Para Maria foi uma grande prova: Ela não perdia só seu filho, Ela perdia o seu Deus!Em sua humildade, Ela poderia conjecturar algumas hipóteses: o abandono por alguma infidelidade de sua parte, ou o desenlace antecipado dos vaticínios de Simeão, cuja espada já começava a dilacerar seu coração. A própria Bíblia atesta que Maria não entendia o que estava passando neste momento. Diz São Lucas: “Seus pais não compreenderam o que Ele lhes disse” (Lc 2,50).
Este evento encontra uma grande similitude com o drama do Calvário: Maria se encontra transida de dor durante três dias, devido à desaparição de seu Filho, que estava “na casa do Pai”. A perspectiva do sacrifício anunciado pelo profeta Simeão, que havia previsto que uma “espada de dor” transpassaria o coração de Maria (Lc 2,35), se faz presente neste episódio em que o sofrimento não está no Filho, mas no coração da Mãe. Ao mesmo tempo prefigura o desenlace do sacrifício do Calvário na glória e na alegria, pois a Santíssima Virgem encontra o Menino Jesus em postura gloriosa que pré-anuncia a Ressurreição e fica maravilhada. Depois, Ela expressa seu sofrimento: “Meu filho, por que nos fizestes isto? Teu pai e Eu te buscávamos angustiados” (Lc 2,48).
A resposta de Jesus indica que Maria e José conheciam sua origem celestial e sua missão evangelizadora. Nesse momento Jesus faz a primeira afirmação pública de sua filiação divina: “Não sabiam que Eu devo ocupar-me dos assuntos de meu Pai”? (Lc 2,49).O Evangelista deixa claro que eles não entenderam, mas que Maria meditou profundamente todos estes fatos no seu coração, tomando a presença de Jesus na casa de seu Pai como o princípio fundamental que iluminará toda a sua vida[3].Nesta meditação de hoje, guardamos dois ensinamentos importantes para nossa vida, especialmente nesta caminhada quaresmal junto com Maria:Primeiro: Devemos conservar no nosso coração todas as graças, indicações, mensagens e até mesmo repreensões que recebemos de Deus, através de sinais, de inspirações interiores, ou até de ações e palavras de outras pessoas. “Deus escreve certo por linhas tortas”, diz o ditado… Mas nós podemos verificar que Deus escreve certo por linhas certas. Cabe a nós meditar em nossos corações para entender o modo certo de ver estas linhas, como Maria o entendeu ao encontrar a Jesus “na casa do Pai”. Depois necessitamos guardar o que escutamos de Deus no mais profundo de nosso coração, pois uma palavra de Deus, uma graça, nunca devem ser esquecidas.A segunda lição que podemos tirar é da fé: Maria acreditou no impossível. Acreditou que morrendo na Cruz seu Filho vencia ao mundo. Por esta fé é que se realizou nela tudo o que lhe foi prometido. Quando nos encontremos diante do impossível, recordemos as palavras do Anjo Gabriel: “Para Deus nada é impossível” (Lc 1,37).
Os dias atuais repetem o caminho do Calvário; caminho de dor e de morte, de dúvidas e perplexidades, mas ao mesmo tempo de salvação para aqueles que, seguindo os passos de Maria, se juntam a Ela aos pés da Cruz. Sua fé foi submetida uma tríplice prova: a prova do invisível, do incompreensível e das aparências contrárias, mas Ela as superou do modo mais heroico. Efetivamente, Maria viu seu Filho gemendo no estábulo de Belém e acreditou que era o Criador do mundo. Viu-o fugir de Herodes e não deixou de crer que era o Rei dos Rei. Viu-o nascer no tempo e acreditou que era eterno. Viu-o pequeno, pobre, necessitando de alimento, chorando sobre o feno e o creu onipotente. Observou que não falava e o acreditou o Verbo do Pai, a própria Sabedoria encarnada. Viu-o finalmente, maltratado e crucificado, morrer sobre o mais ignominioso patíbulo e creu sempre em sua Divindade. Por mais que outros, até os próprios apóstolos, vacilassem na fé, Ela permaneceu sempre firme, não vacilou jamais[4].Com o exemplo e a ajuda de Maria, nada temos a temer!
Fonte: Pastoral Teologica