No dia 14 de Novembro de 2016, quatro Cardeais: Walter Brandmüller, Raymond L. Burke, Carlo Caffarra e Joachim Meisner fizeram uso de um antigo costume na Igreja de modo a colocarem 5 perguntas ao Papa Francisco. Os dois últimos já morreram, restam os dois primeiros, que ainda esperam a resposta do Papa.
As perguntas estavam relacionadas com a aplicação da exortação apostólica Amoris Laetitia em relação à possibilidade dos chamados “recasados” poderem ter acesso ao Sacramentos, mantendo esse estado de vida. O texto de Amoris Laetita parece deixar em aberto, numa nota de rodapé, essa possibilidade, que vai contra a doutrina Católica, segundo a qual quem vive em estado habitual de pecado não pode receber a Sagrada Comunhão sem antes se ter arrependido e se ter confessado.
Alguns Bispos, e Conferências Episcopais, interpretavam essa passagem de acordo com a doutrina Católica mas outros, com base nela, emitiram directivas para que fossem começados processos de modo a poder dar acesso sacramental a pessoas que vivem como marido e mulher sem que o fossem.
Diante da confusão generalizada, e do grave risco para a fé e salvação dos fiéis, estes 4 Cardeais tentaram, sem sucesso, agendar uma reunião com o Papa Francisco para poderem expressar as suas preocupações. Depois de esgotada essa via publicaram as 5 perguntas, chamadas Dubia.
Nos últimos 5 anos, e apesar de ter recebido várias vezes pessoas que lutam manifestamente a favor do aborto, como Nancy Pelosi e Joe Biden, o Papa Francisco não teve tempo para receber os Cardeais dos Dubia nem sequer para lhes responder.
Deixamos aqui um resumo das 5 Dubia (dúvidas), para que não caiam no esquecimento:
1 – Pergunta-se se, de acordo com quanto se afirma em “Amoris laetitia”, n. 300-305, se tornou agora possível conceder a absolvição no sacramento da Penitência, e, portanto, admitir à Sagrada Eucaristia, uma pessoa que, estando ligada por vínculo matrimonial válido, convive “more uxorio” com outra, sem que estejam cumpridas as condições previstas por “Familiaris consortio”, n. 84, e entretanto confirmadas por Reconciliatio et paenitentia, n. 34, e por “Sacramentum caritatis”, n. 29. Pode a expressão “[e]m certos casos”, da nota 351 (n. 305) da exortação “Amoris laetitia”, ser aplicada a divorciados com uma nova união que continuem a viver “more uxorio”?
2 – Continua a ser válido, após a exortação pós-sinodal “Amoris laetitia” (cf. n. 304), o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 79, assente na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, acerca da existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer excepção, que proíbem actos intrinsecamente maus?
3 – Depois de “Amoris laetitia” n. 301, pode ainda afirmar-se que uma pessoa que viva habitualmente em contradição com um mandamento da lei de Deus, como, por exemplo, aquele que proíbe o adultério (cf. Mt 19, 3-9), se encontra em situação objectiva de pecado grave habitual (cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24 de Junho de 2000)?
4 – Após as afirmações de “Amoris laetitia”, n. 302, relativas às “circunstâncias atenuantes da responsabilidade moral”, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 81, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, segundo o qual: “as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um acto intrinsecamente desonesto pelo seu objecto, num acto ‘subjectivamente’ honesto ou defensível como opção”?
5 – Depois de “Amoris laetitia”, n. 303, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 56, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência, e afirma que a consciência jamais está autorizada a legitimar excepções às normas morais absolutas que proíbem ações intrinsecamente más pelo próprio objeto?
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As 5 dúvidas
Os cardeais chamam de “dúvidas” os assuntos que suscitam e indicam que se referem ao capítulo oitavo da exortação apostólica Amoris Laetitia, especificamente dos parágrafos 300 ao 305. São apresentadas para ser respondidas com um “sim” ou um “não”.
Os purpurados assinalam que “para muitos – bispos, párocos, fiéis –, esses parágrafos aludem, ou também ensinam explicitamente, uma mudança na disciplina da Igreja com relação aos divorciados que vivem uma nova união, enquanto outros, admitindo a falta de clareza ou ainda a ambiguidade das passagens em questão, argumentam, entretanto, que essas mesmas páginas podem ser lidas em continuidade com o magistério precedente e não contém uma modificação na prática e no ensinamento da Igreja”.
1. Sobre a nota de rodapé número 351 do parágrafo 305
Esta é a pergunta que leva a explicação mais extensa e questiona se pode conceder a absolvição na confissão e admitir a comunhão eucarística aos divorciados em nova união.
“A nota de 351 – indicam os cardeais –, enquanto fala especificamente dos sacramentos da penitência e da comunhão, não menciona neste contexto os divorciados recasados civilmente, nem sequer no texto principal”.
O parágrafo 305 da Amoris Laetitia assinala que “por causa dos condicionalismos ou dos fatores atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e de caridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja [351]”.
A nota de rodapé 351 assinala que “em certos casos, poderia haver também a ajuda dos sacramentos”.
Em sua carta ao Papa Francisco, os 4 cardeais recordam os ensinamentos da exortação apostólica Familiaris Consortio de São João Paulo II, especificamente o numeral 84, no qual já se contemplava a possibilidade de admitir os sacramentos aos divorciados em nova união, segundo três condições:
– As pessoas interessadas não podem se separar sem cometer uma nova injustiça (por exemplo, poderiam ser responsável pela educação de seus filhos);
– Assumem o compromisso de viver segundo a verdade da sua situação, deixando de viver juntos como se fossem marido e mulher (“more uxorio”) e abstendo-se dos atos que são próprios dos cônjuges;
– Evitam dar escândalo (ou seja, evitam o aparecimento do pecado para evitar o risco de levar outros a pecar).
No entanto, prosseguem, “parece que se fosse admitida na comunhão os fiéis que se separaram, ou os divorciados do cônjuge legítimo que estão em uma nova união na qual vivem como se fossem marido e mulher, a Igreja ensinaria através desta prática de admissão uma das seguintes afirmações a respeito do matrimônio, da sexualidade humana e da natureza dos sacramentos”:
– “Um divórcio não dissolve o vínculo matrimonial e as pessoas que formam a nova união não estão casadas. Entretanto, as pessoas que não estão casadas podem, em certas condições, realizar legitimamente atos de intimidade sexual”.
– “Um divórcio dissolve o vínculo matrimonial. As pessoas que não estão casadas não podem realizar legitimamente atos sexuais. Os divorciados recasados são legitimamente esposos e seus atos sexuais são licitamente atos conjugais”.
– “Um divórcio não dissolve o vínculo matrimonial e as pessoas que formam a nova união não estão casadas. As pessoas que não estão casadas não podem realizar atos sexuais. Por isso, os divorciados recasados civilmente vivem em uma situação de pecado habitual, público, objetivo e grave”.
No entanto, admitir pessoas à Eucaristia, ressaltam os cardeais, “não significa para a Igreja aprovar seu estado de vida público; o fiel pode se aproximar à mesa eucarística também com a consciência de pecado grave”.
“Para receber a absolvição no sacramento da Penitência, nem sempre é necessário o propósito de mudar de vida. Em consequência, os sacramentos se separam da vida: os ritos cristãos e o culto estão em uma esfera diferente em relação à vida moral cristã”.
2. Sobre o parágrafo 304
A pergunta dos 4 cardeais questiona se, todavia, é válido o ensinamento da igreja sobre se existem normas morais absolutas, válidas e sem exceção alguma.
O fundamento deste ensinamento, explicam os cardeais, está no parágrafo 79 da encíclica Veritatis Splendor (O Esplendor da Verdade) do Papa João Paulo II, que assinala que é possível “qualificar como moralmente má segundo a sua espécie (…) a escolha deliberada de alguns comportamentos ou atos determinados, prescindindo da intenção com que a escolha é feita ou da totalidade das consequências previsíveis daquele ato para todas as pessoas interessadas”.
“Segundo a ‘Veritatis Splendor’ – prosseguem – no caso de ações intrinsicamente más não é necessário nenhum discernimento das circunstâncias ou das intenções”.
3. Sobre o parágrafo 301
A dúvida se refere a se é possível afirmar que “uma pessoa que vive habitualmente em contradição com um mandamento da lei de Deus, como por exemplo o que proíbe o adultério, se encontra em situação objetiva de pecado grave habitual”.
No parágrafo 301, a exortação apostólica Amoris Laetitia assinala que “a Igreja possui uma sólida reflexão sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes” e que “já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada ‘irregular’ vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante”.
A sustentação na pergunta deste parágrafo, dizem os 4 cardeais, está na declaração de 24 de junho de 2000 do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, que assinala que “não sejam admitidos à sagrada comunhão (… o que) obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto”.
A declaração “afirma que este cânon é aplicável também aos fiéis divorciados que voltaram a casar civilmente. Esclarece que o ‘pecado grave’ deve ser compreendido objetivamente, dado que quem ministra a Eucaristia não tem os meios para julgar a imputabilidade subjetiva da pessoa”.
4. Sobre o parágrafo 304
A pergunta dos cardeais é se é possível afirmar se é ainda é válido o ensinamento do Papa João Paulo II no numeral 81 da Veritatis Splendor, segundo a qual “as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um ato intrinsecamente desonesto pelo seu objeto, num ato subjetivamente honesto ou defensível como opção”.
O parágrafo 302da exortação Amoris Laetitia sublinha que “um juízo negativo sobre uma situação objetiva não implica um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa envolvida”.
Por isso, ressaltam os cardeais que assinam a carta enviada ao Papa em 19 de setembro, “a questão é se Amoris Laetitia concorda ao dizer que todo ato que transgride os mandamentos de Deus – como o adultério, o roubo, o falso testemunho – não pode se converter jamais, consideradas as circunstâncias que mitigam a responsabilidade pessoal, em desculpável ou até mesmo bom”.
5. Sobre o parágrafo 303
A pergunta que os cardeais Brandmüller, Meisner, Cafarra e Burke formulam é se é possível afirmar que é válido o ensinamento de João Paulo II no numeral 56 da encíclica Veritatis Splendor, “que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência e afirma que esta nunca é autorizada para legitimar exceções às normas morais absolutas que proíbem ações intrinsecamente más por objeto”.
O numeral 303 da Amoris Laetitia afirma que a “consciência pode reconhecer não só que uma situação não corresponde objetivamente à proposta geral do Evangelho, mas reconhecer também, com sinceridade e honestidade, aquilo que, por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus”.
Os cardeais assinalam que “para todos os que propõem a ideia de consciência criativa, os preceitos da lei de Deus e a norma da consciência individual podem estar em tensão ou também em oposição, enquanto a consciência, que em última instância decide a respeito do bem e do mal, deveria ter sempre a palavra final”.
“Segundo Veritatis Splendor n. 56, ‘sobre esta base, pretende-se estabelecer a legitimidade de soluções chamadas pastorais, contrárias aos ensinamentos do Magistério, e justificar uma hermenêutica «criadora», segundo a qual a consciência moral não estaria de modo algum obrigada, em todos os casos, por um preceito negativo particular’. Nessa perspectiva, nunca será suficiente para a consciência moral saber que ‘isto é adultério’, ‘isto é homicídio’, para saber se se trata de algo que não pode e não deve ser feito. Em vez disso, deveria olhar também as circunstâncias e as intenções para saber se este ato não poderia, afinal, ser desculpável ou até mesmo obrigatório”.
Para essas teorias, prosseguem, “a consciência poderia, de fato, decidir legitimamente que, em determinado caso, a vontade de Deus para mim consiste em um ato no qual eu quebro um de seus mandamentos. ‘Não cometer adultério’ seria visto apenas como uma regra geral. Aqui e agora, e dadas as minhas boas intenções, cometer adultério seria o que Deus requer realmente de mim. Nestes termos, poderia, no mínimo, elaborar hipóteses de casos de adultério virtuoso, homicídio legal e perjúrio obrigatório”.
Isto significaria, ressaltam os purpurados signatários da carta enviada ao Papa, “conceber a consciência como uma faculdade para decidir autonomamente a respeito do bem e do mal, e a lei de Deus como uma carga imposta arbitrariamente e que poderia, em determinado momento, estar em oposição à nossa verdadeira felicidade”.
Mas a consciência, continuam, “não decide sobre o bem e o mal. A ideia de ‘decisão de consciência’ é enganosa. O próprio ato da consciência é julgar, não decidir. Ela diz que ‘isso é bom’, ‘isso é ruim’”.
“Esta bondade ou maldade não dependem dela. A consciência aceita e reconhece a bondade ou a maldade de uma ação e, para fazer isso, ou seja, para julgar, a consciência necessita de critérios, depende inteiramente da verdade”.
Nessa linha, destacam, “os mandamentos de Deus são uma grata ajuda oferecida à consciência para apreender a verdade e assim julgar segundo a verdade. Os mandamentos de Deus são expressões da verdade sobre o bem, de nosso ser mais profundo, abrindo algo crucial em relação a como viver bem”.
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